quinta-feira, 3 de julho de 2014

Os fins e os meios para os atingir

Keiti OtaDeixando para considerações futuras o comportamento das duas partes que ambicionam apresentar um candidato do PS com credibilidade para que o Presidente da República venha a empossar como Primeiro-ministro nos termos da Constituição, ficam algumas questões sobre o desenrolar do processo interno para escolha do futuro Secretário-Geral do PS, caso o actual não atinja a meta a que agora se propõe.

Também para esse processo deixo de parte o comportamento das linhas que se apresentarão a votos porque creio que a violência verbal e o extremar de posições será ainda maior do que aquele que tem havido nesta fase e aponto cenários que alguns apelidarão de mirabolantes, como sempre se apelidam quando são apontados, e que só o deixarão de ser quando se comprovarem como realidade.

Imaginemos, por absurdo, que António José Seguro, no dia 28 de Setembro, deixa de ser o candidato a sugerir ao PR caso o PS consiga vencer as legislativas e em virtude disso cumpre a sua palavra e se demite do cargo de Secretário-geral abrindo o processo eleitoral para a liderança do PS e consequente marcação de um Congresso Nacional para debate e aprovação das linhas programáticas e moções políticas (e eventuais revisões estatutárias, a manter-se a ideia de que os actuais estatutos não servem).

1- António Costa e António José Seguro apresentam candidaturas ao cargo de SG.

É um cenário no mínimo estranho uma vez que, se Seguro perder as directas e por tal se demitir, não parece curial.

2- António Costa apresenta-se como candidato único ao cargo de SG.

É um cenário no mínimo estranho uma vez que significará a desistência de todos os que não estão conformados com o avanço perpetrado contra a actual direcção.

3- António Costa apresenta-se como candidato e contra ele apresentam-se um ou vários candidatos ao cargo de SG.

É um cenário interessante principalmente se Costa perder essas eleições ou se tiver uma vitória de Pirro uma vez que, no primeiro caso, deverá abrir novo processo para escolha do candidato a sugerir ao PR para o cargo de PM ou, no segundo caso e aplicando a lógica em voga, terá de se demitir à mesma.

O imbróglio criado tem responsáveis mas não terá fim, restando por saber se o fim de tudo isto não foi precisamente criar um tal imbróglio que só possa ser resolvido com o aparecimento de nova força política (que possivelmente até já foi testado como piloto nas últimas europeias).

Um fim como qualquer outro, mas um fim que o Partido Socialista não merecia que lhe tivesse sido decretado.

Bom fim-de-semana.
LNT
[0.279/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXXXVII ]

Leitão
Leitão assado - Bairrada - Portugal
LNT
[0.278/2014]

quarta-feira, 2 de julho de 2014

A fada Oriana

Vieira da SilvaNão sou dos que pensam que seria preferível que Sophia fosse escola obrigatória em vez de ser mais uma urna no mausoléu nacional.

Sou dos que pensam que Sophia tem de ser ensino obrigatório e que tem o seu lugar perpétuo no Panteão Nacional porque um dia um dos muitos analfabetos, que por ser doutor em alguma coisa, pode decidir que o seu ensino deixe de ser obrigatório e assim nunca conseguirá inviabilizar que a memória nacional deixe de recordar Sophia – sempre eterna - e que, quando esse doutor voltar a ser pó, ela possa retornar à escola e ao imaginário dos nossos filhos e netos.

VI - A floresta abandonada

Estava tudo muito quieto e muito calado. A floresta parecia despovoada. Não se ouviam pássaros. Não havia nenhuma flor.
Mas havia muitos cogumelos venenosos. E Oriana chamou:

- Pássaros, esquilos, veados, corças, coelhos, lebres!

Então ouviu um barulho no chão e, pequenina e preta, a víbora apareceu.

- Bom dia - disse a víbora.

- Bom dia, víbora - respondeu Oriana. - Onde estão os outros animais?

- Foram-se todos embora para os montes. Como a fada Oriana os abandonou e não tinham ninguém para os proteger dos tiros dos caçadores, eles tiveram de fugir para muito longe. Só ficaram os ratos, as víboras, as formigas, os mosquitos e as aranhas.

- Ah! - disse Oriana, corando de vergonha. E perguntou:

- Sabes quem eu sou?

- Não - disse a víbora. - Vejo só que és uma menina muito bonita.

- Não sou uma menina bonita. Sou uma fada, sou a fada Oriana.

- Ah! Mas que esquisito! Onde é que estão as tuas asas? Nunca ninguém viu uma fada sem asas.

- Agora não tenho asas, mas daqui a dias vou voltar a tê-las. É uma história que não te posso contar.

- Eu, como ando sempre metido debaixo da terra, nunca te tinha visto, mas já tinha ouvido falar de ti.

- Sim? O que te disseram de mim?

- Contaram-me que dantes eras muito boa e tomavas conta da floresta, mas um dia abandonaste os teus amigos todos porque te apaixonaste por um peixe.

- Isso é mentira - disse Oriana, furiosa. - Nunca me apaixonei pelo peixe. Que história tão estúpida!

- Pois fica sabendo que é isso o que se diz. Até contam que tu passavas horas e horas debruçada sobre o rio a fazer penteados e a enfeitar-te com flores só para o peixe te dizer que estavas muito bonita.

- Mas eu nunca me apaixonei pelo peixe. Eu passava horas ao pé do rio porque gostava de me ver no rio.

- Talvez seja como dizes. Mas o peixe contou aos outros peixes, que contaram aos pássaros, que contaram aos coelhos, que contaram às víboras, que tu estavas louca de amor por ele e que só pensavas em te enfeitares para que ele te achasse bonita. Oriana estava indignada. Sentia-se ridícula. Olhou para a víbora e disse:

- Isso é uma mentira muito estúpida. Uma fada não se pode apaixonar por um peixe. Essa história é má-língua. É a célebre má-língua das víboras.

E, virando as costas, Oriana seguiu o seu caminho, mas enquanto se afastava ouviu o riso mau e sibilante da víbora:

- sssssssssss.

Ao fim de muito andar chegou à casa do moleiro. A porta estava aberta. Lá dentro estava tudo na maior desordem: as gavetas e os armários abertos e vazios, o chão e os móveis cobertos de poeira, e havia por todos os lados coisas partidas. A casa parecia ter sido abandonada há muito tempo. O lume estava apagado, os quartos cheios de teias de aranha. Oriana pegou numa vassoura e num trapo e começou a varrer e a limpar a casa. Então ouviu um ruído e uma voz que a chamou:

- Oriana! Era um rato.

- Oriana, não vale a pena arrumares a casa. Já não vive aqui ninguém senão eu. O moleiro, a moleira e os seus filhos foram viver para a cidade.

- Ah! Mas porquê? - perguntou Oriana.

- Um dia desapareceu um dos filhos mais novos, aquele que tem caracóis pretos e que tem quatro anos. O moleiro e a moleira procuraram-no durante nove dias pela floresta toda sem o encontrar, e ao fim de nove dias o moleiro disse: "O nosso filho perdeu-se na floresta, ou foi comido pelos lobos, ou caiu ao rio, que o levou afogado para longe. Não vale a pena procurá-lo mais. Vamo-nos embora da floresta antes que torne a acontecer outro desastre. - Há muito tempo que eu sentia que ia acontecer uma coisa má - disse a moleira. - ultimamente tudo me corria torto. Quando eu chegava a casa encontrava tudo desarrumado. Os meus filhos estavam sempre a cair ao rio e voltavam sempre para casa sujos, rotos e cheios de feridas. Vamos depressa embora da floresta." E depois desta conversa o moleiro e a mulher fizeram as malas e as trouxas, puseram tudo numa carroça e foram com os filhos para a cidade. Por isso não vale a pena arrumares a casa.

- Foi tudo por minha culpa - suspirou Oriana -, fui eu que os abandonei. Os filhos do moleiro caíam ao rio e voltavam para casa sujos, rotos e feridos porque eu não tomava conta deles. Até que um se perdeu. Ai como é que eu hei-de desfazer o mal que fiz? E dizendo isto Oriana pôs-se a chorar ao pé do lume apagado.

- É uma grande tristeza - disse o rato. - E foi realmente tua a culpa.

Oriana pegou na vassoura, dizendo:

- Apesar de tudo, vou acabar de arrumar e limpar a casa.

Quando chegou ao fim das limpezas, a fada despediu-se do rato e foi outra vez pela floresta fora. Pelo caminho havia pedras que lhe magoavam os pés e tojos e matos que a picavam. Quando ela tinha asas, voava por cima dos caminhos maus e só pousava no chão os seus pés quando o chão estava coberto de musgo, de relva macia ou de areia fina.
"Que difícil que é a vida dos homens", pensou ela. "Eles não têm asas para voar por cima das coisas más." Andando, Oriana chegou à cabana do lenhador. Também ali o lume estava apagado, o chão coberto de pó. A cama, a mesa e os bancos tinham desaparecido.

Então Oriana ajoelhou-se ao pé do lume apagado e chorou. E ouviu uma voz dizer:

- Oriana, que é feito das tuas asas?

Era uma formiga. - A Rainha das Fadas tirou-me as minhas asas porque eu faltei à promessa que lhe fiz.

- Foi um castigo justo porque tu esqueceste e abandonaste os teus amigos. Vê o que aconteceu nesta cabana. O lenhador e a mulher eram muito pobres. Mas todas as manhãs tu aqui entravas com três pedrinhas brancas. E transformavas as pedras em dinheiro, em roupa, em pão. Até que houve uma manhã em que tu não vieste. E dai em diante passou a haver fome, frio e miséria nesta cabana. E um dia o lenhador disse à mulher: "Não podemos continuar a viver com tanta miséria. Vamos para a cidade procurar trabalho."
E fizeram uma trouxa com os seus trapos e pegaram nos móveis às costas e com o filho pela mão partiram para a cidade. Iam tristes e choraram muito quando se despediram desta cabana, onde eram felizes, no tempo em que tu todos os dias os visitavas com três pedras brancas.

- Ai, formiga - disse Oriana, soluçando -, como é que eu hei-de desfazer todo o mal que fiz? Só agora é que eu compreendo como a minha promessa era importante. Só agora é que eu compreendo como a floresta precisa de mim.

- Não sei que conselho te hei-de dar - respondeu a formiga. - Mas já que estás arrependida de nos teres abandonado, já que queres voltar a ajudar os homens, os animais e as plantas, faz-me um favor.

- O que é? - perguntou Oriana, limpando as lágrimas.

- Pega numa pedra branca e transforma-a numa pedra de açúcar.

- Ai, formiga! - disse Oriana. - Já não tenho varinha de condão. Não posso fazer o que me pedes. Já não sirvo nem para ajudar uma formiga.

- Então se não me podes ajudar, adeus, Oriana. Tenho muito que fazer.

E, com um ar muito atarefado, a formiga foi-se embora.

Oriana suspirou, levantou-se e saiu da cabana. Cá fora já anoitecia. A fada pôs-se a caminho da torre do Poeta. A torre ficava longe e o caminho era selvagem, cheio de picos e de pedras. Oriana caminhava cortando a cada instante os seus pés. Não se ouvia cantar nenhum pássaro, não se via correr nenhum coelho, não se via aparecer nenhum veado com o seu ar majestoso e os olhos húmidos de doçura. Em toda a floresta pairava o silêncio, o abandono, a solidão. Quando Oriana chegou à torre, era já noite fechada. E ela levava os pés em sangue e o coração pesado. A porta da torre estava aberta. Oriana entrou, subiu as escadas, pensando:

- O Poeta vai-me consolar, vai-me dizer o que hei-de fazer. Ele vai encostar a minha cabeça ao seu ombro para que eu possa chorar, chorar até que a minha solidão se desfaça.

Oriana abriu a porta do quarto do Poeta. E viu que o quarto estava vazio. Os papéis que dantes cobriam os móveis e o chão tinham desaparecido. Mas a lareira apagada estava cheia de cinza de papéis queimados. E o vento, que entrava pela janela, espalhava as cinzas. Estava tudo coberto de cinza. Oriana atravessou o quarto e os seus pés feridos deixaram pegadas vermelhas de sangue sobre a cinza macia e branca. E ela ajoelhou-se em frente dos papéis queimados e, com a cara coberta de lágrimas, disse:

- Vim à procura do meu amigo e não o encontrei. Oh, como é que poderei desfazer o mal que fiz! Eu quebrei a felicidade dos homens, dos animais e das coisas. Eu esqueci a minha palavra e abandonei a minha promessa. Agora só encontro lumes apagados, casas vazias e cinza.

Então uma aranha desceu do tecto, agarrada ao seu fio brilhante, e perguntou:

- És a fada Oriana?

- Sei que sou Oriana, mas já não sei se sou fada. Faltei à minha promessa e a Rainha das Fadas castigou-me: o vento levou as minhas asas e a minha varinha de condão transformou-se em poeira.

-É um castigo justo - disse a aranha -, porque tu abandonaste os teus amigos. Ouve o que aconteceu nesta casa: uma noite tu não vieste. E no dia seguinte, mal caiu a noite, o Poeta encostou-se à janela à tua espera. E quando uma folha mexia, quando um ramo seco estalava ou quando a brisa fazia dançar as ervas, ele dizia: "É Oriana." Mas não eras tu. Tu nunca mais voltaste. E ele esperou noites e noites sem fim. Sem ler, sem escrever, sem fazer nada. Passeava pelo quarto e falava sozinho. Até que uma noite, quando cantou o primeiro galo da madrugada, ele disse: "Oriana mentiu. Ela tinha-me dito: Nunca, nunca te hei-de abandonar. Mas eu tenho esperado, esperado, esperado. As noites têm passado devagar, uma por uma. Oriana já não aparece. O mundo está desencantado. Quero ir para a cidade e quero tornar-me igual aos outros homens. Quero tornar-me igual aos homens que não acreditam em encantos e que não escrevem versos. Vou queimar todos os meus livros e papéis." E depois de ter dito isto fez um grande fogo na lareira com os livros e papéis onde estavam escritos os seus versos. Ficou sentado a ver arder o lume e o reflexo da chama dançava na sua cara pálida e triste. E quando tudo se desfez em cinza, ele levantou-se e partiu para a cidade. E eu vi-o desaparecer na luz fria da madrugada.

- Foi minha a culpa - disse Oriana. - Como é que eu agora poderei fazer renascer os seus versos da cinza? Como é que eu hei-de fazer que a alegria e a amizade do meu amigo renasçam desta cinza? Ai, como o peixe me iludiu e me enganou com os seus elogios! Eu quero desfazer o mal que fiz. Irei à cidade buscar os meus amigos homens; irei aos montes buscar os meus amigos animais.

E, levantando-se do chão, Oriana despediu-se da aranha e partiu para a cidade. Atravessou outra vez a floresta, ferindo os seus pés nas pedras e rasgando-se nos tojos. Passou pelo caminho cheio de abismos e, quando era meio-dia, chegou à cidade.
A fada Oriana
Sophia de Mello Breyner Andresen
LNT
[0.277/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXXXVI ]

Alentejo
Alentejo - Portugal
LNT
[0.276/2014]

terça-feira, 1 de julho de 2014

O barbeiro [ XV ]

O BarbeiroRegressadinho de fresco do centro europeu onde andou uns anos a fazer uma perna social-democrata e a descansar das agruras duma vida contra o capital, Vital senta-se para uma tosquia nos cabelos prateados.

O Sr. Luís, que não o via desde os tempos em que os solstícios eram festejados no Lux-Frágil, alegrou-se com tão distinto cliente, cedeu-lhe a cadeira de cabedal, preparou o pó de talco da melhor safra e vestiu-o com a toalha de seda que só usava em gente de constitucionalista para cima.

- Seja bem-vindo, meu caro. Vai querer o corte rente para ou só pretende umas tesouradas até que o Verão acabe?

- Nem uma coisa, nem outra, Sr. Luís. Sabe que isto dos radicalismos já foi chão que deu uvas e há que contrabalançar nos entremeios as saudades do francês e do vlaams com uns palpites mais para parecer do que para ser.

De tesoura em riste já apontada à farta cabeleira que muito invejava, o barbeiro foi apurando a estratégia para abordar o corte quando Vital deixou escapar: - Sr. Luís, na geografia da disputa para a liderança…, Costa não deve deixar posicionar-se nem à esquerda nem à direita da actual direcção, mas sim acima dela. Perante os diversos "ismos" com que se costumam identificar as correntes e “sensibilidades"… (soaristas, guterristas, ferristas, socratistas, etc.), ele deve protagonizar uma nova síntese mobilizadora, um novo mainstream, ou seja, o "costismo".

O Sr. Luís que sempre se comovia com coisas tão bem ditas, como mainstream, e que se emocionava cada vez que recordava António Silva no papel de Simplício Costa, o Costa do Castelo, do saudoso Arthur Duarte, respondeu-lhe com a voz embargada: - Professor, mas já reparou que nesse filme nunca se dá um valor igual aos “istas” e aos “ismos”. Enquanto os “istas” vivem em casas amansardadas, os “ismos” amancebam-se nas casas dos “istas” e os resultados não são brilhantes, principalmente quando os “istas” pretendem voltar à posse das casas e desamancebam os “ismos”.

- Por isso lhe digo que é necessária uma nova síntese mobilizadora – respondeu Vital -, um mainstream, repito, uma coisa popularucha que encha ecrãs e folhas de papel para, à falta de entourage, projectar o tal protagonismo fazendo de uma coisa de imagem, uma força como a força que cantava Nelly Furtado.

Orgulhoso o barbeiro deu o trabalho por findo. Orgulhoso e rendido.

– Bom dia, Prof. volte sempre que sabe ter aqui uma casa às suas ordens.
LNT
[0.275/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

O mal está feito

BoteroAs bandeiras da papoila 71.602 (2.18%) enroladinhas a um canto da sala, as outras da terra 234.603 (7.14%) no mesmo estado mas em canto oposto, os 306.205 votos queimados (9.32%), a lebre refugiada lançada por mão alheia de um sótão qualquer do ACNUR e, imediatamente após ter feito saltar o galgo, já com todos os gatilhos apontados para abate abrindo lugar a personagens da antiguidade (grega ou romana) para o pátio dos bichos, a oposição irresponsavelmente posta a ferro e fogo com consequências imprevisíveis, a situação a esfregar as mãos de Pilatos e a continuar a encher os baús com o que pagará os votos que pretende receber para a seguir voltar a desprezar e os nacionais confiscados a ver toda esta miséria, dizendo mal da vida enquanto aumentam o seu desprezo por aquilo de que deveriam orgulhar-se.

O mal está feito, muito mal feito. O acerto de contas está em campo, violento e em jeito de golpe de estado. O estado do Estado está miserável, quase tão miserável como o estado dos que não entendem que o colectivo está acima dos seus interesses pessoais e olham para a porcaria que fazem sem perceber que ela arrasta pessoas para a fome, para a privação do sustento, para o exílio forçado, para o retorno à desqualificação, para a morte à falta de assistência.

O mau deste mal é o próprio mal. E o mal está feito e tem nomes. Imperdoável.
LNT
[0.274/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXXXV ]

Mexilhões
Mexilhões à Bulhão Pato - Por aí - Portugal
LNT
[0.273/2014]

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Uma tribo política que se agrega por emoções

Parque Eduardo VIIO que Correia de Campos não explica, ou porque não sabe, ou porque quer fingir que não sabe, ou porque gosta de dissimular, ou porque, pura e simplesmente faz parte de uma tribo política que se agregou por emoções, é que não é possível fazer uma afirmação com o teor "A situação é muito clara: uma forte maioria sociológica aspira por Costa, dentro e fora do partido" sem que tenha havido sufrágio que o confirme.

Pelo contrário, todos os sufrágios, internos e externos até hoje realizados comprovam que Seguro tem uma sólida maioria sociológica (e não só).

. Ficou claro quando Assis, de que Correia de Campos foi apoiante, foi concorrente à liderança do PS e se quedou pelos 32.02%(Seguro foi eleito secretário-geral do PS com 23.903 votos, correspondentes a 67,98%, contra 11.257 de Francisco Assis, correspondentes a 32,02%);

. Ficou claro quando, há um ano, Seguro se candidatou pela segunda vez ao cargo de SG e quase não teve oposição;

. Ficou claro quando Seguro liderou o processo autárquico e venceu as eleições recuperando um eleitorado que tinha sido perdido pela direcção anterior do PS. Para além do mais recuperou também a presidência do Conselho Directivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da Associação Nacional de Freguesias (de que lamentavelmente há a assinalar a morte de Joaquim Cândido Moreira);

. Ficou claro quando Seguro liderou o processo para o Parlamento Europeu e venceu, recuperando a primeira posição antes perdida pela direcção cessante do PS. (eleições em que toda a direita obteve uma das suas maiores derrotas de sempre).

O que Correia de Campos não explica é que os tais “comentadores e fazedores de opinião” que ele refere são Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Sousa Tavares e comp.ª que são a “direita” representada na comunicação social e que a “esquerda” e a “mais ou menos” lá representada pelos da Quadratura do Círculo e por aqueles cómicos do Eixo do Mal, além de outros avulsos como o próprio Correia de Campos, são praticamente todos apoiantes de Costa.

O que Correia de Campos não explica é no que consiste a blindagem dos Estatutos do Partido Socialista. Limita-se a usar o chavão para que fique no ouvido e pareça verdade, para além de parecer que os Estatutos não foram revistos por uma maioria qualificada de militantes do Partido Socialista (a quem ele chama “complacentes” ou “distraídos”)

Decididamente é preciso honradez, embora não pareça necessária a quem nas tribunas na comunicação social se apresenta como equidistante, mesmo desrespeitando os votos e a vontade dos militantes do Partido a que pertence.
LNT
[0.272/2014]

O barbeiro [ XIV ]

O BarbeiroAntónio entrou apressado porque tinha muitos compromissos agendados e deu uma palmada nas costas do Sr. Luís ao mesmo tempo que, de rajada:

- Vê lá se te despachas, pá, que tenho uma pressa dos diabos e não tenho a tua vida de barbeiro. A minha exige muita movimentação para arregimentar um número diverso de apoios capazes de me libertarem do núcleo que me tenta aprisionar.

António e Luís conheciam-se há décadas. Como todos os verdadeiros amigos nem sempre estiveram de acordo e, mesmo quando de lados contrários da barricada, nunca deixaram confundir a sua amizade com as opções de cada um. Desta vez a coisa era mais difícil porque, diferente de agora, António sempre tinha discordado do Sr. Luís em defesa de segundos figurões.

- Vamos lá à função, António, que já sabes que daqui não sais com um pelo fora do sítio. Acomoda-te como te acomodaste com a declaração de alguns fundadores. Tens sorte de já restarem poucos, infelizmente, o que faz parecer que quem fundou a coisa está maioritariamente contigo, mas aqui para nós que ninguém nos ouve, deixa ficar grandes dúvidas porque quase todos sempre respeitaram as regras que fundaram para que a coisa não fosse anárquica e nunca conduziram um putsch como o que está em curso. É verdade que muitos deles elegeram e foram eleitos de um lado ou de outro, que quase todos se baterem sempre com lealdade e fizeram-no de acordo com os tempos próprios, com processos eleitorais agendados e nunca em afronta ao poder democraticamente instituído. Vivemos outros tempos, sei, mas o que queres? sou mais velho do que tu e não deixo de ter estas referências como guia de vida.

António sempre calmo, com aquela calma que o caracterizava desde a conquista da JS e da FAUL e que nunca o inibiu de fazer o que sempre achou ser necessário fazer para atingir os seus fins, respondeu com o seu sorriso: - Lá estás tu com os pruídos de sempre, escrúpulos que nunca te deixaram ir além da função que exerces. O caminho é estreito, meu caro, e por ele só passa um de cada vez. E agora é a minha vez. Foi-me anunciado, percebes?

E para rematar: - É pá, acaba lá com isso que já estás a exagerar no desbaste.

O barbeiro foi buscar a escova que passou para a mão de António com um: - Vê lá se te limpas, pá e vai-te à vida que por aqui fico a ver – te escangalhar o que tanto trabalho deu a construir.

Abriu-lhe a porta de saída do ar condicionado e com um aceno de velhas camaradagens despediu-se com um “espero que o nosso próximo encontro seja mais confluente”.
LNT
[0.271/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

Barbering Books [ XX ]

Barbering Booksque poder de ensino o destas coisas quando em idioma:
um copo de água agreste plenamente na mesa, só em linguagem o copo me inebria
– placa de gelo em que lóbulos do cérebro? –
e exalta-me a transparência, porque fora, sob administração geral:
ciência, literatura, economia, gramática,
nada, nenhum copo, nenhuma água na mesa,
me fazem sangrar a ferida essencial, ou mover-me às cegas e às avessas até ao último reduto;
só antes, por trás, depois,
à frente, eu sinto que a membrana de vidro, reservando uma pouca
de água miraculadamente do caos dos dicionários,
me despedaça como primeira palavra,
não apenas os dedos, mas dedos e memória, devotação de vida;
a lição do nome que não tem Deus, e de que o nosso nome diminuto se aproxima;
basta aquela água delgada enquanto algures ceifam na terra, edificam;
água colhida no verbo copo ou em Deus advérbio de modo,
e há um nó interno requeimado, um nó semântico, e um calafrio trespassa a bic preta,
e em nativo escrevo a música de ouvido,
e o ar que está por cima enche todo o caderno,
e equilibram-se o copo sobre a toalha, transparência, plano de água,
e dedos e papel e script e trémula superfície da memória, tudo passado a multíplice e ardente
Herberto Helder
Faca não corta o fogo

LNT
[0.270/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXXXIV ]

LNT
Furnas do Guincho - Cascais - Portugal
LNT
[0.269/2014]

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Estou contigo, Costa, pá!

Magritte"Havia coisas em que o PS devia ter-se demarcado do nosso último governo, que cometeu naturalmente erros"

Havia coisas boas - como aquelas de reconstruir escolas que estavam um chiqueiro – e coisas más – como aquelas outras de se terem apetrechado essas escolas com equipamentos de ar condicionado tão potentes que as escolas não dispunham de orçamento para os pôr a funcionar.

Havia coisas boas – como aquelas de acabar autoestradas inacabadas – e coisas más – como aquelas outras de enterrar milhões nos caboucos de autoestradas paralelas às que se acabavam de construir.

Havia coisas boas – como aquelas de apoiar Manuel Alegre numa segunda campanha presidencial – e coisas más - como aquelas outras de ter permitido que numa primeira campanha presidencial se tivesse entregado o poder a Cavaco por se ter preferido dividir os votos socialistas.

Havia coisas boas – como aquelas de arrancar com uma reforma do Estado através de um bem desenhado PRACE – e coisas más – como aquelas outras de ter abandonado a meio essa reforma não resistindo aos lobbies existentes na Administração Pública e se ter metido, pela primeira vez, a mão no bolso dos funcionários do Estado para compensar esse abandono.

Havia coisas boas – como aquelas de corrigir os abusos e desleixos que existiam na educação e na justiça – e coisas más – como aquelas outras que só serviram para denegrir e desautorizar os professores e os magistrados.

Havia coisas boas – como aquelas de evitar que o assalto do BPN se transformasse num estoiro colossal da banca portuguesa e no prejuízo dos seus depositantes – e coisas más – como aquelas outras de não se ter nacionalizado todo o grupo para evitar que se tivesse de ir buscar o dinheiro roubado aos bolsos dos contribuintes em vez de o ir recuperar aos bolsos de quem o tinha roubado.

Havia muitas outras coisas boas e muitas outras coisas más. Mas calaste-as durante três anos, Costa, porreiro, pá! O que foi pena porque: "Havia coisas em que o PS devia ter-se demarcado do nosso último governo, que cometeu naturalmente erros", e tu eras Presidente da Câmara de Lisboa, dirigente do PS, membro de todos os órgãos superiores do Partido Socialista, construtor da Quadratura do Círculo e mais um monte de coisas e nunca ninguém te viu a demarcar delas.
LNT
[0.268/2014]

Barbering Books [ XIX ]

Barbering BooksPorque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andersen
Porque - Mar Novo

LNT
[0.267/2014]

O barbeiro [ XIII ]

O BarbeiroVisivelmente bem-disposto e com as baterias carregadas pelo sopro de mar do dia anterior, o Sr. Luís recebeu Janita à porta. Desta vez nem para um cafoné era, somente uma conversa de pé de orelha, como costumavam dizer os clientes do Ipiranga retornados do saudoso campeonato do Mundo.

- Olá Sr. Luís, soube que ontem andou por bandas da margem direita onde confluem águas bravas, mar sem fim, a rapaziada da Quinta da Marinha e as conspirações novas-ricas do Porto de Santa Maria.

- Bem-vinda Senhora Dona Janita. Em primeiro lugar um agradecimento à bondade que me dispensou no seu Cantinho. Trouxe-lhe um pé de erva-príncipe para um chazinho. - Dito isto o barbeiro desapareceu por uns instantes para ressurgir com dois copos altos cheios de chá frio temperado com uma gota de Gin. – Isto é um refresco bom para a azia e estou a pensar comercializá-lo num boteco de que sou sócio ali para os lados do Convento das Trinas. Além do mais é uma mezinha analgésica, antidepressiva e antibacteriana e combate a transpiração e o pé-de-atleta o que a transforma numa janela de oportunidades naquela zona.

- Bem precisa deve ser por lá, Sr. Luís, mas deixemos de lado as negociatas futuras que o tempo é de encher os pulmões e vem aí um fim-de-semana perfumado com as sardinhas em fim de Santos e com os odores expelidos pelas Damas da Noite que já fazem antever as caipirinhas no Maré Alta, os figos com presunto e mel na Noélia e as tiras de choco frito do Pedro de Cabanas. Conte-me lá o que espera deste Verão.

- Vai ser coisa calma, amiga Janita. Entre o calça-descalça do barco para a ilha, o empurra-não empurra do passadiço para a praia, o chega-e-parte dos familiares que vão estar só uns dias, o espera-não espera para arrefecer a casa de banho do duche anterior, o mói-não mói do gelo das caipiroskas e gins que antecedem o jantar, o talha-não talha das maioneses que acompanham os coze-não cozas demasiado as gambas da dona Margarida e o parte-não parte as unhas e o corta-não corta as mãos nas cascas das ostras que teimam em não ser vendidas já abertas e com limão, vai ser coisa mansa (nunca consigo pronunciar esta palavra sem me lembrar dele). Afinal haverá sempre tempo para descansar das férias e, como se prevê que o Verão irá ser propício para que o Governo ponha na mesa a sopa dos pobres que anda a cozinhar, haverá também tempo para o retorno à (a)normalidade.

A conversa ia boa e a efusão relaxante já fazia efeito quando Janita se levantou para regressar à sua loja. - Tenho de ir. Bom fim-de semana Sr. Luís, descanse que isto, para a semana, promete.
LNT
[0.266/2014]
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quarta-feira, 25 de junho de 2014

O barbeiro [ XII ]

O BarbeiroAproveitando o facto de amanhã ser dia de comemorações de nascimento, o barbeiro virou a tabuleta de “fechado para descanso do pessoal” e atirou-se às tarefas de desinfecção e esterilização dos utensílios com que trabalha os seus clientes.

Os primeiros a caírem no caldeirão em ebulição foram as toalhinhas quentes. Seguiram-se, nos tachos mais pequenos, os pentes, as navalhas, as lâminas, as tesouras e as redes de protecção da máquina zero. Finalmente, no pote maior, deixou ferver as toalhas de rosto, os babetes de pescoço e as jaquetas de mestre.

Enquanto tudo se desinfectava, o barbeiro, com os seus botões, meditava em como teria sido mais limpo e curial se, quando Sócrates se demitiu e se abriu o processo de sucessão, Seguro tivesse assumido o que dele fez Secretário-geral, isto é, se se tivesse deixado de rodriguinhos e de punhos de renda e tivesse dito aquilo que todos o que o apoiavam pensavam e se Costa não se tivesse deixado ficar na mândria a ver no que as coisas davam e, em vez de Assis, tivesse assumido aquilo que agora acha dever assumir.

Mesmo que não tivesse sido nessa altura, porque a “narrativa” ainda se podia confundir com as falácias que os adversários externos tinham usado para se imporem ao País com uma maioria absoluta, deveria ter sido naquela segunda altura, há um ano, que tudo deveria ter ficado mais claro se cada um tivesse tido a responsabilidade de assumir, como suas, todas as benfeitorias e malfeitorias que herdaram, mas assim não foi (ah o pensamento do barbeiro a fugir para os “juízos de intenção” e a levarem-no para as teorias de que nessa altura ainda havia muito caminho para caminhar e muito voto escorregadio que não garantia que o caminho caminhado já perspectivava uma chegada à meta. Afinal Guterres ainda só andava pelos refugiados, afinal a mágoa portuguesa ainda podia não estar curada, afinal as vitórias que tinham sido antecedidas de derrotas ainda se mediam pela bitola de vitórias-vitórias e não pela bitola de vitórias-de-Pirro.)

Estava o barbeiro nisto quando, meio amargurado por ver a vida a andar para trás numa altura de balanços e acrescentos aos anos que já lhe pesavam, deu por esgotado o tempo de fervura em que tinha os seus preparos.

Arrumados os utensílios para depois de um dia para o outro ficar mais velho, aferrolhou a porta e, sem olhar para trás, foi à vida que tinha lá fora.
LNT
[0.264/2014]
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Maria João Rodrigues

Maria João RodriguesHá aproximadamente um mês fomos chamados a exercer o direito de escolha dos representantes portugueses no Parlamento Europeu. O Partido Socialista apresentou a melhor e mais categorizada lista, assim entendido pelos lusos que a sancionaram maioritariamente. (Aqueles que se deram ao trabalho de perceber a importância destas eleições e não se perderam em apreciações desviantes, nem em brincadeiras de redução de votos).

Infelizmente, apesar do bom resultado português, nem todos os candidatos necessários para reforçar o S&D foram eleitos o que contribuiu para que o Grupo Europeu se ficasse pelo segundo lugar, sendo mais difícil implementar o projecto Europe - a call for change, tendo ficado Martin Schulz somente como Presidente do Grupo Parlamentar, e se inviabilizasse a visão de retorno aos princípios de freedom, equality, solidarity, diversity and fairness que, traduzido, coincidem com os Princípios que, desde sempre, orientam os socialistas portugueses.

Chorou-se no fim da contagem de votos portugueses que a vitória de tudo isto foi insuficiente, mesmo tendo-se partido de uma derrota maior e apesar de uma minoria de socialistas, que se deveriam ter envolvido incondicionalmente para eleger a sua lista e reforçar o Grupo Parlamentar Europeu S&D, se tivessem perdido em apreciações que promoveram a abstenção ou o desvio de esforços para aventuras inconsequentes destinadas a abrir caminho para projectos que nada tinham a ver com o propósito das eleições europeias.

Ainda assim, o contributo português reforçou a equipa nacional no S&D e foi um dos melhores resultados nacionais conseguidos nos 28 países que elegeram deputados europeus.

Esse reconhecimento, o da qualidade dos deputados portugueses e o da quantidade de deputados eleitos, acaba de ser reconhecido pela nova direcção do S&D e temos a honra de contar com uma Vice-presidente, Maria João Rodrigues, o que prestigia o Partido Socialista e reforça a voz portuguesa na Europa.

Quando no dia 1 de Julho se reunir, em Estrasburgo, o novo Parlamento Europeu, a direcção do maior Partido da oposição à linha liberal que tem governado a Europa na última década, passará a contar com uma voz de defesa dos direitos dos portugueses que contrabalançará as teorias de que só nos resta estar na Europa na condição de bons alunos.
"We must not delay a process which the people of Europe have voted on. Jean-Claude Juncker should be given a mandate to find a majority in the European Parliament, with a clear commitment from all democratic groups.

"However, our Group will only support a Commission president who is ready to take on the big challenges in the EU: ending austerity, tackling unemployment – especially among the young – curbing the rise in poverty and social exclusion, beating the tax cheats and making Europe competitive with more investment, modernised infrastructure and a more flexible interpretation of the Stability and Growth Pact."

“It is time to start working on the Europe of tomorrow we all need."
LNT
[0.263/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXXXII ]

Enguias Murtosa
Enguias à Murtosa - Por aí - Portugal
LNT
[0.262/2014]

terça-feira, 24 de junho de 2014

Sonhos portugueses

TAP INEM
LNT
[0.261/2014]

Escolas

Tito de Morais, Luis Novaes TitoUma das minhas referências políticas sempre foi Manuel Tito de Morais. Homem prosseguido pelo anterior regime, preso, torturado, maltratado, exilado, resistente sempre.

Homem de convicções fortes, socialista de sempre, fundador na clandestinidade de diversos movimentos políticos, fundador da ASP e do Partido Socialista, fundador do Portugal Socialista, construtor do PS (por extenso) depois da liberdade, resistente sempre.

Foi seu parceiro sempre. No Partido que ajudei a implementar na sociedade portuguesa. Na Secretaria de Estado do Emprego, na Secretaria de Estado da População e Emprego, na Presidência da Assembleia da República, nas lutas ao lado e contra Mário Soares. Resistindo sempre.

E mesmo quando com ele não estive política e pontualmente, estive com ele sempre, com a sua escola de coerência a que Almeida Santos gosta de chamar teimosia.

Com Tito de Morais aprendi a resistir, mesmo – se necessário - com sofrimento físico, na defesa dos meus princípios. Com ele aprendi que um eleito que cumpre as suas promessas nunca se deve demitir porque tem obrigação de respeitar os votos que recebeu.

Com Tito de Morais reaprendi o que já tinha aprendido em casa com a minha Mãe, com os meus Avós, com uma família que é portuguesa há tanto tempo como aquele que a própria Nação tem.

Lá estarei no jantar do dia 30 para recordar mais uma vez o seu exemplo, a sua escola, a sua resistência.
LNT
[0.260/2014]

Barbering Books [ XVIII ]

Barbering BooksO homem abriu o envelope do Manuel e retirou de lá o passaporte falsificado e três camisas de vénus. Colocando estas à esquerda do copo, pensou: “Se o gajo tivesse feito trabalho duvidoso não se punha a gozar”. Guardou o passaporte no bolso interior direito do casaco. E nesse instante viu que um vulto se detinha em frente dele. Levantou a vista e deu com ela nas olheiras do Henrique.

“Tivarich Tchaikowsky”, disse-lhe o homem. “Sente-se. O que toma?” Continuava contente. O Henrique sentou-se, com os olhos ferrados nas camisas de vénus.

“Não tomo nada”, disse o Henrique. “Você arranjou abrigo?”

Uma grande voz gritou perto da mesa deles:

“Ó patrão, não há direito que você sirva melhor a clientela bem arreada. Olha os tremoços que ele dá a quem veste fino”. Era um guarda-fios enorme, a suar em bica. Estacara à porta da Rua da Escola Politécnica e apontava as camisas de vénus a toda a tasca.

“É servido?”, perguntou o homem pegando num desses objectos.

“Não cabe nos postes”, disse o guarda-fios. “E a patroa trabalha sem rede. Bom proveito”.

“Por que raio é que você escolheu este sítio?” perguntou o Henrique. O homem guardou os preservativos no bolso exterior esquerdo do casaco coçado.

“Por causa dos lustres”, explicou, apontando os seres alados empunhando candelabros de três lâmpadas, um de cada lado da porta com bandeiras de vidro verde. “Esta é a única tasca de Lisboa que tem cúpidas. Pensei que isso talvez nos desse sorte”.

Nuno Bragança
Directa

LNT
[0.259/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXXXI ]

Salsichas com couves lombarda
Salsichas com couve lombarda - Por aí - Portugal
LNT
[0.258/2014]

Chico


LNT
[0.257/2014]

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O barbeiro [ XI ]

O BarbeiroWalter, antes de se sentar, virou-se para o barbeiro com o sorriso humanista e atirou-lhe: - Sr. Luís, vou-me rir tanto se Costa for o candidato às próximas legislativas. Nunca me passou pela cabeça que o meu amigo chegasse a este fanatismo pelo "grande líder" Tózé.

- Bom dia, também para si, Prof. Seja bem-vindo a este meu estabelecimento e diga-me o que o trás por cá, para além dessas conversetas desalinhadas em que tem andado.

- Ora Sr. Luís, vim ao caldinho do costume. Ando aqui de cabeleira farta e desgrenhada e depois a malta pensa que isto é uma anarquia e apresenta-se aos exames de chanatos e bermudas pensando que a sala de aulas é o bar do Tamariz ou as Comissões nacionais onde o desrespeito pelas regras, anteriormente aceites por todos, pretende tornar um conclave legal num jogo de sueca.

- Então faça o favor de tomar o seu lugar que já o ponho fino.

Walter é um dos clientes antigos. Tinha uma sala de explicações de humanidades lá para o fundo da rua que deixou falir por falta de tempo e escassez de clientela. Todos o sabiam Professor, mas ninguém assim o tratava (com excepção dos alunos) porque nunca tinha conseguido ser comentador da quatro. Bom tipo, embora fundamentalista com tendências anárquicas.

Já de tesoura na mão, o barbeiro pediu ao cliente que se pusesse a jeito, o que bastou para que ele disparasse: - Hei-de lhe fazer chegar um volume com as maravilhosas e mui sensatas propostas que o meu santinho anda a cozinhar para tomar conta do pedaço e fazer o milagre da multiplicação dos peixes a partir da sardinha que os seus arregimentados deixaram ficar ao Tózé.

- Meu caro Prof., – iniciou o barbeiro enquanto que, com a mão esquerda, lhe segurava o crânio para evitar que a excitação nervosa de Walter o levasse a picar-se nos bicos da tesoura – a sardinha, como o senhor diz, foi deixada magra e seca por quem entregou este País ao actual poder. Volto a lembrar-lhe que foi o anterior governo que garantiu à direita um Presidente da República, uma maioria absoluta na Assembleia da República, um Governo inominável de incompetência e mentira, a grande maioria do poder local e a maioria da nossa representação da Europa.

- Note, meu caro Prof., que eu não caio nessa de dizer que a culpa foi só do Sócrates, porque ela foi de toda uma gente que deveria ter caído com ele quando o “Tózé”, como você diz para tentar diminuir o secretário-geral do nosso Partido, se bateu contra Francisco que na altura tinha à sua sombra todos os que agora estão à sombra do santinho. E digo-lhe em abono da verdade que, no meio de tudo isto, Sócrates foi o único que teve a hombridade de ceder o seu cargo ao reconhecer que lhe faltava legitimidade política, enquanto todos os seus apaniguados se acantonaram nas tribunas parlamentares para dali enfraquecerem as redes seguras que o “Tózé” foi deitando ao mar.

Agora que já se começa a ver novo cardume, são esses mesmos acantonados, que exigem que o paciente pescador abandone o barco porque, dizem, encontraram um ser divino para timoneiro, capaz de milagres de multiplicação dos peixes sem trabalho e que, com magias de perlimpimpim, garanta que a tripulação se mantenha a bordo.

Deu-me trabalho, meu caro Prof., mas deixei-lhe a nuca em ordem. Ainda havia que aparar mais uns cabelitos anarcas mas fica para a próxima, quando lhe der jeito e eu tiver cadeira vaga.
LNT
[0.256/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

Barbering Books [ XVII ]

Barbering BooksMostrava-lhe as fotos na escrivaninha, seu trisavô com os reis da Bélgica, seu tetravô andando de costas em Londres, mas ele não queria saber de velharias.

Acompanhava-me aos sebos por benevolência, mas ficava parado do lado de fora com as mãos nos bolsos. Nem buço o moleque tinha, quando notei que se dedicava a espiar mulheres na avenida. E me arrepiei porque, de relance, num mero meneio de cabeça ele encarnou meu pai. Olhava as mulheres tal e qual meu pai, não de modo dissimulado, nem lascivo, muito menos suplicante, mas com solicitude, como quem atendesse a um chamado. Por isso as mulheres lhe eram gratas, e a seu tempo começaram a procurá-lo em casa, foi de tanto dormir no divã da sala que Maria Eulália ficou corcunda.

Ao som de sambas, rumbas, rock and roll, o Eulálio se entretinha no quarto com empregadinhas do bairro, caixas de supermercado, namorou até uma oriental, garçonete num sushi bar. Trazia também colegiais, um dia o vi entrar com uma menina muito branquinha, cheirosa, um andar gracioso.

Dessa vez colei o ouvido num copo contra a minha parede, curioso dos gemidos dela, queria saber que melodia tinham. Por baixo de uma batucada distingui sua cantilena triste, aguda, que subitamente deu lugar a gritos guturais, fode eu, negão!, enraba eu, negão!, e não sou homem que se melindre à toa. Mas assim que cruzei com ela, me vi compelido a lhe dizer, o negão aí é descendente de dom Eulálio Penalva d'Assumpção, conselheiro do marquês de Pombal.
Chico Buarque
Leite derramado

LNT
[0.255/2014]

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Cock luche

CockForam a Florença buscar um homem cheio de atributos, canudos e pergaminhos, especialista em direito europeu e constitucional e em mais uma catrefada de coisas, um comendador por mérito agraciado por Sampaio, e fizeram dele um ministro que em nada sobressai daquilo que por aí vai e acrescenta incompetência à incompetência deste poder podre que só não cai porque cristalizou na mão de um arbusto fossilizado.

Assim se estraga o que é bom e se reafirma, uma vez mais, a sabedoria popular:
"Quem nunca comeu melado, quando come... se lambuza"

Provérbios populares à parte, e tendo no seu vasto currículo que até já foi ministro, fazia-nos um favor imenso se voltasse para a escola onde dava aulas para continuar a honrar Portugal, lá fora, com o seu saber.

É que as patacoadas já são tantas que ainda corre o risco de acrescentar aos seus dados biográficos o recorde mundial da velocidade de desmentido de asneiradas colossais.
LNT
[0.253/2014]

Barbering Books [ XVI ]

Barbering BooksÓ minha terra na planície rasa,
Branca de Sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viste o mar,
Onde tenho o meu pão e a minha casa.

Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folhas... a dormitar
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra moirisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmão nasceu
aonde a minha Mãe que eu tive e que morreu
Foi moça e loira, amou e foi amada!

Truz... truz... truz - Eu não tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, é quase noite,
Terra, quero dormir, dá-me pousada! ...
Florbela Espanca
Sonetos

LNT
[0.252/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXXIX ]

Cabidela
Cabidela - Por aí - Portugal
LNT
[0.251/2014]

quinta-feira, 19 de junho de 2014

O barbeiro [ X ]

O Barbeiro- Boa tarde Sr. Luís, venho para um aparo de patilhas que está a chegar o tempo de praia e não quero sombras na cara.

- Ora viva, Sr. Jaime, faça a fineza de se acomodar que já lhe faço o serviço.

O Senhor Luis puxou do cabedal de afiar a navalha e deu-lhe duas, três, quatro, chanfalhadas. De seguida passou o papel a testar o corte, mergulhou o pincel na espuma e deu início à função.

- Mestre, não perca a razão por perder a cabeça no afio da navalha. Tenha cuidado com as minhas orelhas, que quem as fez já não está em condições de fazer umas novas.

Com um sorriso, o barbeiro (que adorava quando o tratavam por mestre) deixou a navalha valsar com ritmo e suavidade pela cara do seu cliente porque se apercebeu que se lhe fosse só às patilhas a barba ficaria por fazer. – Tenha calma, amigo! Fique sossegado que só no tempo do meu avô é que os barbeiros também eram sangradores. Aqui, ainda não se usam lâminas descartáveis, mas as navalhas são sempre objecto do maior asseio e de fio irrepreensível, assim como a minha mão que raramente tremelica.

- Sabe que desconfio sempre de tais precisões. É como aquela caldeirada que andam a cozinhar no PS. "Se eles transformarem esta luta numa vendetta, então, se ganharem o Partido (ou o que sobrar dele) perderão o País... Se perderem, seria bom que pudessem sair deste episódio de cabeça erguida e prontos a afirmarem-se como oposição interna, porque as derrotas de hoje são as vitórias de amanhã... Se eu não acredito de todo que AJS possa chegar a PM, não é de todo adquirido que Costa possa por sua vez ganhar as legislativas".

O barbeiro, sempre a sorrir, pegou no paninho quente para lhe acariciar a face e, em sussurro: - Sr. Jaime, Sr. Jaime. Então o senhor não sabe que para haver oposição interna é necessário haver moção, programa, linhas de orientação e os insurrectos ainda não conseguiram mostrar o que quer que seja que seja diferente das linhas de orientação aprovadas pelo poder instituído? É verdade que há muitos beijos, abraços, carinhos e multidões, espingardas e baionetas em riste, mas ideias...

- Acabámos. A sua carinha macia como o rabinho de um bébé. Volte sempre!
LNT
[0.250/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

Por direito divino

Viva Filipe VI de España
Viva o Rei


Casa Real Espanhola

Costa Lisboa

(ops! desculpem, enganei-me no evento)


Agora sim, viva o Rei!

Viva Filipe VI!

Felipe VI
LNT
[0.249/2014]