segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Certamente, caro Paulo


Estou reformado da vida política activa mas nunca me reformarei da política.
Hoje, alertado pelo
Paulo Querido
que insiste em fazer serviço público através do seu diário, cheguei ao artigo de
Pedro Nuno Santos
e às análises de
José Magalhães
e de
Porfírio Silva
sobre a ausência oficial do Partido Socialista nas últimas presidenciais.
Começo por dizer o que já se sabe. Não só fui apoiante de
Ana Gomes
como também fui um dos primeiros subscritores da sua candidatura.
Ana Gomes, de quem gosto pela garra e pela sua história, mas de quem discordo frontalmente quando defende a, para mim indefensável, pirataria informática mesmo que disfarçada de serviço público, veio preencher o vazio criado pela direcção do PS que seguiu cegamente António Costa na hipocrisia de anunciar um candidato de direita sem nunca assumir que essa candidatura era apoiada oficialmente pelo Partido Socialista.
Como em política não há vazios a minha opção e o meu voto não tiveram opção de escolha.
Mas tanto Pedro Nuno, como Magalhães ou Porfírio esquecem que Ana Gomes só se ofereceu para preencher o vazio criado pelo cinismo da Autoeuropa porque ninguém quis correr esse risco antes dela e recordo que Ana Gomes esperou até ao limite para que a alternativa aparecesse.
Tivesse Pedro Nuno Santos tido coragem para avançar e provavelmente Ana Gomes não se teria imolado numa candidatura recheada de anticorpos (inclusivamente futebolísticos) destinada a um segundo lugar por falta de arrojo inicial de se bater para ganhar em vez de se apresentar, no arranque, somente como travão de uma extrema direita quase inexistente antes de ser impulsionada pelo relevo que a esquerda lhe deu.
Tivesse Pedro Nuno Santos assumido o espaço político vazio resultante da opção pessoal de António Costa de apoiar Marcelo Rebelo de Sousa, preenchendo esse espaço com a agregação dos socialistas (que a candidatura de Ana Gomes não quis fazer – veja-se o que elaborou quando comparou Costa a Viktor Orbán e a multiplicação de “Grupos de Apoio” que se dedicavam mais ao ataque ao PS do que a Marcelo, p.e. e que fizeram muitos socialistas e simpatizantes virar-lhe as costas) somando-lhe o apelo, que ele conseguiria, ao restante eleitorado de esquerda e os resultados presidenciais teriam tido expressão diferente.
Falamos depois do jogo acabado, é verdade, e por isso não sabemos se os votos que foram expressos na extrema direita e que fugiram a Marcelo teriam existido se a direita democrática se visse na circunstância de votar útil em Marcelo para não perder as eleições, mas a verificar-se a fuga que se verificou dos votos da direita democrática para a extrema direita e obtendo-se a agregação dos votos socialistas num candidato capaz de chamar outros da outra esquerda, a segunda volta estaria segura.
LNT
#BarbeariaSrLuis
[0.001/2021]

5 comentários:

Jaime Santos disse...

Concordo com quase tudo, mas parece-me que a hipótese de ser o próprio Nuno Santos a avançar não lembra ao diabo. Está a sugerir que um ministro em funções (ainda por cima alguém que faz um bom trabalho, mau grado a tendência que tem para morrer pela boca, como o peixe) deveria demitir-se à revelia do Chefe do Governo, para com ele medir forças numa eleição presidencial? Porque PNS não concorreria contra MRS, concorreria contra António Costa.

Percebo que não tenha grande consideração por Costa, por via da forma como ele chegou ao poder no Partido (mas que diabo, a ideia das primárias foi de António José Seguro, que escolheu defrontar-se com AC, provavelmente no pior terreno de batalha para si, o que revelou coragem e desprendimento, mas pouca argúcia), mas não quer certamente obrigar o País a levar com um novo consulado por parte da Direita via Rio ou um regressado PPC, pois não?

Quanto a Ana Gomes, tenho consideração pelo seu percurso e coragem (o País está em dívida com ela, Guterres e Sampaio, por terem limpo a mancha que foi a entrega de Timor à Indonésia), mas também não me revejo no seu discurso populista de Esquerda, contrário à matriz institucionalista e liberal que sempre caracterizou a acção política do PS e na guerrilha que fez ao PM durante a campanha, que lhe deve ter tirado muitos votos.

Votei nela sem hesitação mas sem entusiasmo.

Mas a democracia tem para com ela uma dívida de gratidão, por ter mandado Ventura para um terceiro lugar, porque não seriam Marisa Matias ou João Ferreira a fazê-lo. E eles bateram-se para com ele como deviam, até porque essa Extrema-Direita não é residual, há muito quem, livre de ter de votar útil em MRS, tenha dado o voto a Ventura, porque se revê nele...

Luís Novaes Tito disse...

Só duas ou três coisas, Jaime Santos
1ª - O Diabo tem muitas coisas com que se entreter. PNS não é certamente uma delas. O próprio MRS foi candidato e não teve de se demitir para ser candidato. Mas se PNS o quisesse fazer para concorrer à Presidência também não viria daí qualquer mal ao Mundo e nunca isso seria à revelia do PM, até porque os Ministros nunca se podem demitir à revelia. Apresentam a demissão e o processo segue o seu caminho. Em política é assim mesmo e quem tem coragem avança.
2º - Engana-se quando diz que não tenho consideração por Costa. Sou amigo dele ainda ele andava na Secção de Benfica de calções. Nem sempre estive de acordo com ele, é sabido, mas isso é inerente à minha condição de militante socialista. No PS, que sempre ajudei a ser o Partido Socialista, não somos obrigados a concordar com tudo nem com todos e, é verdade, foi o Seguro que fez o impensável ao ter avançado para eleições do Secretário-geral em eleições abertas a outros que não os militantes do PS. Foi como se o SLB fizesse eleições tendo como colégio eleitoral os simpatizantes do Sporting.
3º - Marcelo Rebelo de Sousa vai ser neste 2º mandato o que ele é, e faz bem em manter a sua coerência. Os socialistas que votaram nele, talvez mais do que os social democratas, vão chorar muitas lágrimas de crocodilo mal a Presidência da UE acabe, a pandemia passe e o Rio seja substituído no PSD.
Marcelo vai acabar o mandato a demonstrar a sua linha política. Reúnam-se as condições para isso e as sondagens dêem pistas e depois conversaremos.
Só para acabar, chamar populista a Ana Gomes é mais do mesmo. Hoje em dia chama-se populista a quem confronta, passou a ser moda. Também não estou de acordo em muito com ela mas não vejo nela qualquer populismo e sinto-me confortável por ter sido seu eleitor.
Abraço

Jaime Santos disse...

Quanto ao que pensa de António Costa, está esclarecido. Chamo-lhe no entanto a atenção que é bastante franco ao denunciar a hipocrisia do PM. Isto na sua óptica, eu não chegaria a tanto e não conheço AC de lado nenhum, muito embora tivesse preferido que ele tivesse anunciado claramente a sua preferência pelo candidato-presidente.

E, cinismo por cinismo, ainda gostei menos da forma como designou Ana Gomes, 'distinta militante socialista'... O que há de errado com 'a nossa Camarada Ana Gomes'?

Relativamente a PNS, não faria qualquer sentido um Ministro com tais responsabilidades estar a fazer campanha para PR. Teria que sair, ou comprometeria a própria neutralidade que o Governo deve mostrar.

Já um PR em funções pode obviamente ser recandidato e não vale a pena misturar as funções que um e outro desempenham...

Obviamente que PNS sairia em articulação com o PM, mas seguramente que este detestaria a ideia quando ela lhe fosse apresentada e a consideraria uma deslealdade (digo eu, mas talvez me engane).

E depois, conhece algum escrito de PNS sobre o entendimento que faz das funções presidenciais? Eu não conheço. Nesse sentido, a função presidencial coaduna-se muito mais com o perfil e o percurso de Ana Gomes.

O termo populista não precisa de ter uma conotação negativa. Normalmente, designa uma forma de estar na política caracterizada por um discurso anti-elitista (as elites a combater são distintas para populistas de diferentes cores) e que dispensa certas instâncias de intermediação.

Ana Gomes não é uma populista, mas parece-me que o seu discurso cai frequentemente nesse registo, ainda por cima eivado de simplismo. Uma pessoa não é automaticamente desonesta só porque é um advogado de negócios, por exemplo. Rui Pinto merecerá alguma leniência da Justiça se colaborar com ela, mas é acusado de crimes graves e se for considerado culpado deverá pagar por eles. E por aí a fora.

E vir declarar apoio a PNS numa campanha presidencial (ainda por cima quando este não o pediu a ninguém), isso é que não lembra mesmo a Belzebu...

Eu votei nas primárias do PS em Costa e nunca votei outra coisa que não nesse Partido (ou não votei de todo). Quando se organizam primárias, há o risco de que apoiantes de outros Partidos se inscrevam nelas e votem no candidato mais fraco, mas daí não segue que Costa tenha recolhido a larga maioria dos seus votos noutros que não os simpatizantes do PS.

Se o Luís Tito tivesse dito que os simpatizantes do Benfica não deveriam votar nas eleições do clube, eu compreenderia e até estaria de acordo, mas a chance de o fazer em relação ao PS foi-nos dada pelo SG em funções... E não foi AJS que inventou as primárias...

Simplesmente, elas foram para ele uma má ideia. Ou recusava ir a jogo (o que seria provavelmente insustentável) ou convocava um congresso. Mas se AJS perdeu, há que lhe elogiar a coragem de concorrer contra Costa no terreno mais difícil. Só não lhe elogio a campanha, no mesmo registo agora usado por Ana Gomes...

Finalmente, não sei o que irá ser o próximo mandato de MRS. Irá usá-lo para ajudar a Direita a regressar ao Poder? A vitória é só dele, pelo que pode com certeza fazê-lo. Mas como a Direita que regressará ao Poder não será a Direita dele, e sim uma muito mais radical, não sei se isso lhe interessa assim tanto.

A ver, como diz o cego. Agora, aqueles que nele votaram não se poderão certamente queixar do que acontecer, seja o que for que aconteça...

Luís Novaes Tito disse...

Só uma nota:
Nunca nas primárias os cadernos eleitorais foram abertos a não militantes do PS. Isso foi uma invenção dos dirigentes que acompanharam Seguro.
Uma imbecilidade política, segundo o que eu penso.
Para se votar internamente é necessário ter as quotas em dia, só nessas não foi, nem depois disso o Costa alguma vez pensou voltar a tal procedimento, e bem, porque eleições internas não podem ser abertas.
Abraço
Já agora, nunca declarei apoio a PNS. O que disse é que se ele se tivesse candidatado a Ana Gomes não o teria feito.

Jaime Santos disse...

Claro, imagino que pensaram que abrindo o Partido à sociedade teriam um dois em um, venceriam Costa e conquistariam apoios fora do eleitorado nuclear do PS, os cerca de 30% que Costa depois não conseguiu alargar nas legislativas.

Não lhe chamaria uma imbecilidade. Foi uma aposta arriscada que correu mal, mas vale a pena saudar a coragem e o desprendimento de Seguro ao aceitá-la. Reforçou Costa e ele depois não conseguiu aproveitar o capital acumulado.

Sim, eu percebi que se limitou a dizer que Ana Gomes se candidatou porque mais ninguém se chegou à frente, uma atitude que só a dignificou a ela e à democracia (quando ainda por cima enviuvou recentemente).

Se Ventura tivesse ficado em segundo por falta de comparência da Esquerda Democrática (o PS ausentou-se mesmo), isso teria tido um significado simbólico ainda mais funesto do que o quase meio milhão de votos que ele alcançou (e que poderiam ter sido muitos menos se tivesse existido polarização ao centro).

Não é por acaso que ele reservou para ela as palavras mais amargas e ressabiadas da noite.

Mas aquilo que eu quero dizer é que não me parece de todo boa ideia uma candidatura de PNS, que teria sido um candidato para-quedista numa eleição presidencial.

Depois, isso iria provavelmente excluí-lo de uma próxima contenda dentro do PS, e acho que o seu desassombro faria falta ao Partido.

Note que não me revejo nas concepções estatistas de PNS, mas diria exactamente o mesmo de Francisco Assis, por exemplo, de quem também discordo (que teria sido um excelente candidato, na minha modesta opinião, o seu lugar no CES não o obriga à mesma fidelidade ao PM e o seu pensamento é muito mais estruturado do que o de PNS).

O pior que poderia acontecer ao PS seria que Costa se limitasse a designar um sucessor/a.

Aliás, é uma tristeza que durante as estadas no Poder, os Partidos mergulhem no unanimismo e só se faça debate ideológico e programático na Oposição, onde, com sorte, poderá servir para preparar uma alternativa... O puro pragmatismo no exercício do Poder é uma das razões de desgaste dos Partidos...