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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Caro Pedro,

LimpezaO Mundo não acaba aqui e Portugal também não. Sei que eras um puto magoado pelo retorno sem bagagem mas aquilo que foi feito foi apesar de ti, apesar de todos os pesares de milhares de outros. Não foi o destino, Pedro, nem ainda menos qualquer ajuste de contas. Foi só o que tinha de ser e que Caetano não conseguiu entender.

Portugal era grande demais para continuar a reduzir-se à mesquinhez de Salazar. Caetano era a Primavera, mas revelou-se estação murcha que fazia murchar na ignorância e na submissão toda uma Nação milenar. Não teve perdão e foi a sua incapacidade de entendimento que levou a que tu e milhares de outros tivessem de regressar ao nosso território com a mão no bolso.

Já foi há tempo suficiente para que te possa escrever esta carta. Bem sei que as mágoas são difíceis de curar, pelo menos tão difíceis de curar como as que não largam as famílias dos que tombaram estupidamente e as dos que voltaram sem poder ver, andar ou simplesmente viver uma vida normal.

Sei que possivelmente nunca pensaste nisto, porque simplesmente te convenceste que tudo foi um disparate como o que neste momento estás a fazer contra todos nós, mas enganas-te.

Nós, que te proporcionámos o que hoje és, abrimos os caminhos do Mundo. Demos-te a democracia que te elegeu. Demos-te a política que te guinou. Demos-te a formação que tens e que tão mal aplicas em favor do povo que em ti confiou.

Ainda assim aqui estamos, sabendo que, para além das nossas posses, te conseguimos formar. Sabendo que, para além das nossas posses, te conseguimos fazer quem és. Sabendo que, para além das nossas posses, te conseguimos integrar.

Podemos parecer calados mas não estamos e com a mesma determinação com que devolvemos Portugal ao Mundo, largando o que não nos pertencia, havemos de te largar pelas indignidades que dizes e fazes em nome de uma mágoa que não consegues ultrapassar.

És um produto nosso, um mau produto.

Saberemos resolver a questão, estando-te tu a lixar-te para isso, ou não.
LNT
[0.396/2012]

terça-feira, 27 de março de 2012

PREC – Processo revolucionário de empobrecimento em curso

GrelhaSoares dá o mote: O que se está a passar em Portugal não é uma reforma, mas sim a contra-reforma. O que se está a passar não é uma revolução silenciosa, mas sim uma contra-revolução.
Veremos até quando ela se manterá silenciosa.

Uma das mágoas maiores do último século português foi o processo de descolonização. Primeiro, por não ter sido verdadeiramente um processo uma vez que nunca foi planeado pelo sucessor de Oliveira Salazar que, não sendo um tacanho como o ditador que o antecedeu, deveria ter preparado o inevitável e, segundo, porque nunca se acautelaram os interesses daqueles que tiveram de retornar com a roupa na pele e deixar para trás vidas de trabalho.

A violência dos factos e a violentação dos agentes deste não-processo tiveram sequelas graves, também elas nunca tratadas por equipas multidisciplinares. Sempre se preferiu fazer crer que a integração desses nacionais foi exemplar e se fez por osmose.

Quem viveu as situações, retornados ou não, lembra-se do caos.

Os adultos retornados fizeram pela vida, foram subsidiados, emigraram, ou safaram-se como puderam e como o engenho e o “desenrasca português” lhes permitiu.

Hoje estão mortos ou para lá caminham. Os mais novos e as segundas gerações chegaram agora ao poder. Sem que nunca tenham sido objecto de acompanhamento trazem consigo a mágoa que não lhes foi atenuada, perdem-se nas imagens das savanas, na irrealidade que a sua infância e juventude retiveram e possivelmente nas recordações daquilo que nunca tiveram mas que sempre lhes disserem ter perdido.

Talvez esteja por aí, na espoliação, o ressentimento e a inconsciente vontade do ajuste de contas.

Talvez residam nessas estórias mal contadas e no verdadeiro assunto-tabu da nossa História recente, a vontade da contra-reforma e da contra-revolução. O retorno ao empobrecimento, o ajuste à miséria e à falta de ambição a que chamam “adaptação à realidade” e “a viver à medida dos seus meios” (sem que lhes permitam novos meios) como se a mediocridade e a infelicidade fossem o desígnio nacional. Este desamor, esta desesperança, esta não-ambição, podem muito bem ser o resultado de nunca se ter encarado cientificamente a necessidade de acompanhamento e da cura de mazelas de uma geração retornada e nunca verdadeiramente integrada. E como se todos nós, uns e outros, tivessemos de voltar a passar por tudo.
LNT
[0.180/2012]