O látex que os separa do mar
Dois jovens ligados a uma qualquer coisa que lhes deita energia nos ouvidos e aparentemente os faz estar em movimento, ela matulona com corpanzil e idade para parir e ele com caparro para o semeio, perdem-se em carícias e olhares denunciadores de uma noite bem passada.
Nota-se a sua despreocupação com o que os rodeia, com o chiar miado do Metro de Lisboa, com o ritmo compassado do “Latinhas” que implora uma moeda, com a igual indiferença de todos os outros que se acotovelam para conseguir um encosto na porta contrária e com aqueles que para eles olham disfarçadamente com acenos de reprovação ou ligeiros sorrisos de inveja.
O ar dos jovens despreocupados, porque focados em si, envolvidos por aquela energia que lhes entra pelos ouvidos vinda sabe-se lá de onde e de que ritmos ou “cenas”, deixa antever que não se dirigem para o trabalho que não têm, nem para a escola que já acabou. Como a linha onde navegam não é a do aeroporto, também não irão para a gare de partida da zona de conforto.
Os olhares que trocam anunciam que ainda acreditam que a fome se pode matar com beijos. Não se prevê uma ida ao Centro de (des)Emprego em busca de um estágio miserável.
Quando abandonei a carruagem para subir os degraus até à cancela que me atirou para a superfície, dei por mim a pensar que já tinha descendentes naquela idade e que, se agora os filhos rareiam, não será certamente por falta de matéria-prima, mas porque quem decide as condições que proporcionem vida anda a criar entraves (e comissões de estudo) semelhantes às camisinhas que condicionam a fusão para nascer.
LNT
[0.073/2014]
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