Sei não ser o caso típico do drama/tragédia que vejo, oiço e leio por aí quando se fala do confinamento que vivemos.
Estou aposentado, a minha mulher reparte-se entre o teletrabalho e o trabalho em espelho, não sou um tendencialmente deprimido solitário – aliás não me dou mal com o convívio reduzido nem com a falta de toque excessivo – e, por razões que pouco interessam para o caso, convivi permanentemente o confinamento com a minha mulher, uma das minhas filhas e duas das minhas netas.
Também é verdade que o confinamento não me foi especialmente doloroso por questões financeiras porque os rendimentos se mantiveram constantes e as despesas, embora na generalidade aumentadas por diversas razões que também pouco interessam para o caso, só foram drasticamente agravadas nas rubricas de hardware informático, comunicações, electricidade e água. Este parágrafo é indiferente para o texto e só ficou para o contextualizar.
Faz-me muita confusão o drama/tragédia que vou lendo por aí resultante do confinamento como sendo coisa capaz de levar à demência por falta de beijos e abraços, carinhos, toques, conversas da treta e bisbilhotices como se, dois ou três meses sem isso, fosse o fim do Mundo.
Muito mais grave do que isso foi o não confinamento cuidadoso e responsável de quem nunca passou por preparação para guerras ou nunca teve de anteriormente abdicar de regabofes e não se absteve no confinamento do seu trono narciso e provocou com isso o fim do Mundo para outros ou lhes causou consequências e mazelas para a vida.
Nunca faltou água, electricidade, bens alimentares, comunicações, informação, bens “on-Line”, serviços de entregas de todo o tipo, nem politiquices e fofocas que não fossem capazes de nos manter ocupados e entretidos através de cliques, mensengers, tweets, sms, whatsapps (muitas vezes até em demasia e alheados da realidade de haver nos bastidores quem não tivesse tempo para dramas/tragédias para assegurar esses serviços em sobrecarga).
Nunca faltou pó para limpar, camas para fazer, loiça e roupa para lavar, coisas sempre pendentes para consertar, redes sociais para irritar e ser irritado, mortes para lamentar, nascimentos para comemorar, anos para fazer, livros para ler, escritos para escrever, contas e impostos para pagar e afectos e carinhos para desenvolver.
Não foi um estado calamitoso de angústia com balas a soprarem-nos ao ouvido e bombas a explodir, nem uma altura de guerras nas cidades ou nas estradas que são muito mais incapacitantes no chamado normal a que voltaremos daqui a pouco, mais mês, menos mês, mais ano, menos ano, para continuarmos o caminho da destruição do Planeta.
E isto que vivemos não é o “novo normal” insanamente designado como tal por quem nos quer incutir que o é.
Isto é o actual anormal que há-de ser ultrapassado para voltarmos ao normal que se espera mais consciente, mais reflectido, menos consumidor de recursos e mais eficaz na redução de desperdícios. Isto que vivemos não é normal, nem novo nem velho normal, como normal não foi termos de perder os beijos, afectos e selfies de Marcelo.
Apeteceu-me isto, o desabafo, porque a minha liberdade continua intacta e a minha interactividade, quando a quero praticar, também.
LNT
#BarbeariaSrLuis
[0.006/2020]
#BarbeariaSrLuis
[0.006/2020]
2 comentários:
No confinamento fiz tudo o que fazia, como ir ao supermercado, farmácia,as minhas diárias caminhadas, passear e tirar fotos de ruas e praças desertas,sem carros a transitar, etc etc etc. A excepção, (que me custou imenso), foi a separação dos netos e filhos, de resto, fiz a normalidade diária com as naturais precauções como lavagem das mãos na entrada e saída dos estabelecimentos sempre de máscara mantendo a distancia conveniente com as pessoas.A chatice foi não me meter no carro e ir visitar os filhos e netos, mas de resto, não sou dos muito queixosos com o confinamento.
Parabéns pelo belo texto. As suas palavras lembram-me o que se dizia em Março, 'aos nossos Avós pediram-lhes que fossem para a Guerra, a nós pedem-nos que fiquemos no sofá'.
Aquilo que desejamos todos naturalmente, é que as atuais restrições na nossa liberdade de circular e de interagir com os outros terminem depressa com o aparecimento de uma vacina e de curas eficazes da doença.
Cabe também dizer que nem todos viveram essas restrições de forma igual, porque as condições materiais que lhes assistem são distintas. É mais fácil estar confinado quando se tem uma casa com jardim e acesso a toda a tecnologia que o dinheiro pode comprar do que quando se vive com mais 4 ou 5 pessoas num pequeno apartamento.
Mas a marca de uma sociedade decente é a capacidade de parar para proteger os mais frágeis. E que tivéssemos sido capazes de o fazer (e eventualmente voltar a fazê-lo) é um sinal de civilização. Em 1918-1919, as sociedades não pararam, as pessoas limitaram-se a morrer...
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