LNT
[0.223/2012]
A miúda que acompanhava a mãe ao emprego naquele dia de carnaval em que os filhos não tinham aulas mas que, porque parecia bem lá fora, o governo tinha mandado os pais trabalhar, espantou-se com o êxodo que contrariava a entrada às oito e trinta da manhã e perguntou-lhe:
- Porque é que, no seu emprego, os do "turno da noite" são pretos?
A mãe incomodada com a constatação conseguiu dar a volta:
- Não é por serem pretos, filha, é porque estas senhoras não têm estudos. Sabes que há uns anos atrás os do "turno da noite" em França e na Alemanha eram quase todos portugueses brancos?
A miúda ficou em silêncio até o elevador abrir as portas no décimo quarto piso. Já no átrio, quase a seguir viagem para cima, ouvi a miúda perguntar à mãe:
- Porque é que a mãe, que já tem os estudos, vem trabalhar hoje se eu, que estou ainda a estudar, não tenho aulas?
LNT
[0.220/2012]
Manuel Alegre deu o dito por não ditoLNT
quando escreveu "nada está escrito"
(e eu repito)
nele, o poema é o som e o sentido
de um problema vivido
(e eu não duvido)
voz que afirma ou nega à tona e no fundo,
joga à cabra-cega e desvenda o mundo
(e eu o secundo)
voz que entrelaçou o feio e o bonito,
o mais chão, o voo, o não dito e o dito
(e eu acredito).