terça-feira, 1 de julho de 2014

O barbeiro [ XV ]

O BarbeiroRegressadinho de fresco do centro europeu onde andou uns anos a fazer uma perna social-democrata e a descansar das agruras duma vida contra o capital, Vital senta-se para uma tosquia nos cabelos prateados.

O Sr. Luís, que não o via desde os tempos em que os solstícios eram festejados no Lux-Frágil, alegrou-se com tão distinto cliente, cedeu-lhe a cadeira de cabedal, preparou o pó de talco da melhor safra e vestiu-o com a toalha de seda que só usava em gente de constitucionalista para cima.

- Seja bem-vindo, meu caro. Vai querer o corte rente para ou só pretende umas tesouradas até que o Verão acabe?

- Nem uma coisa, nem outra, Sr. Luís. Sabe que isto dos radicalismos já foi chão que deu uvas e há que contrabalançar nos entremeios as saudades do francês e do vlaams com uns palpites mais para parecer do que para ser.

De tesoura em riste já apontada à farta cabeleira que muito invejava, o barbeiro foi apurando a estratégia para abordar o corte quando Vital deixou escapar: - Sr. Luís, na geografia da disputa para a liderança…, Costa não deve deixar posicionar-se nem à esquerda nem à direita da actual direcção, mas sim acima dela. Perante os diversos "ismos" com que se costumam identificar as correntes e “sensibilidades"… (soaristas, guterristas, ferristas, socratistas, etc.), ele deve protagonizar uma nova síntese mobilizadora, um novo mainstream, ou seja, o "costismo".

O Sr. Luís que sempre se comovia com coisas tão bem ditas, como mainstream, e que se emocionava cada vez que recordava António Silva no papel de Simplício Costa, o Costa do Castelo, do saudoso Arthur Duarte, respondeu-lhe com a voz embargada: - Professor, mas já reparou que nesse filme nunca se dá um valor igual aos “istas” e aos “ismos”. Enquanto os “istas” vivem em casas amansardadas, os “ismos” amancebam-se nas casas dos “istas” e os resultados não são brilhantes, principalmente quando os “istas” pretendem voltar à posse das casas e desamancebam os “ismos”.

- Por isso lhe digo que é necessária uma nova síntese mobilizadora – respondeu Vital -, um mainstream, repito, uma coisa popularucha que encha ecrãs e folhas de papel para, à falta de entourage, projectar o tal protagonismo fazendo de uma coisa de imagem, uma força como a força que cantava Nelly Furtado.

Orgulhoso o barbeiro deu o trabalho por findo. Orgulhoso e rendido.

– Bom dia, Prof. volte sempre que sabe ter aqui uma casa às suas ordens.
LNT
[0.275/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

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