sexta-feira, 4 de julho de 2014

O barbeiro [ XVI ]

O BarbeiroDe novo sexta-feira, dia da semana programado para higiene e balanço de caixa na barbearia.

As receitas continuam diminutas, embora a troika já tenha desligado o relógio do(as) Caldas. A clientela que felizmente continua a não faltar e que cada vez mais se diversifica aparecendo de precedências nunca vistas, mantém o hábito de pedir, no fim de cada função, que acrescente o valor do corte ao rol dos calotes.

- Isto continua sem saldo e, do pouco que recebo, um quarto vai directo para a almofada do Coelho - desabafa o Sr. Luís frustrado por não conseguir pecúlio bastante capaz de reempregar uma ou outra colaboradora que anime a malta e a descontraia enquanto lhes cerceia os topetes.

Perdido na limpeza das navalhas e no afiar dos outros instrumentos de corte, o barbeiro alertado por um seu concorrente, procurou a tesoura usada no último corte e confirmou que estava romba, o que poderá ter provocado alguma dor durante o aparo e penenticia-se:

- Talvez devesse ter usado outra tesoura, alguma mais afiada mas de menores dimensões, mas foi aquela que estava mais à mão. Tenho de ter mais atenção até porque há clientes que não merecem sacudiduras por mau estado das ferramentas. Quando o homem cá voltar hei-de dar-lhe uma palavrinha. Com isto foi buscar o rebolo e amolou a tesoura deficiente.

Entretanto na rádio cantava o Carvalho do depois do adeus. O Sr. Luís, que a sabia de cor, trauteou-a com saudade e sentimento:

- E depois do adeus e depois de nós, lá, lá, rá, lá, lá. – e voltando ao pensamento anterior - Mas, chiça, o tipo com aquelas coisas dos costistas irritou-me porque parecia não perceber que isso não existe (para além dos do Castelo, freguesias adjacentes e mais uns quantos “complacentes” ou “distraídos”, como dizia o outro), assim como não haviam assististas, conforme o próprio percebeu logo que perdeu o concurso de há três anos. O que há são outros “istas” à procura de testas de ferro. Quando o cliente retornar hei-de desbastar com mais precisão evitando o repelão - Concluiu, arrumando.
LNT
[0.281/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

3 comentários:

Anónimo disse...

Dizia um grande estadista e cito de memória que "Vivemos todos sob o mesmo céu, mas nem todos temos o mesmo horizonte"...não invejo o seu, sinceramente, eu que caminhei descalço na minha infância, nem lhe cobiço o génio. mas é apenas uma opinião...

Luís Novaes Tito disse...

Todos, em alguma altura da nossa infância, andámos descalços. Mas nem todos conseguimos em adultos poder brincar com Macintosh's. Há quem nunca viva acima das suas possibilidades, é o que é.

Luís Novaes Tito disse...

Esqueci-me também de dizer também que todos nascemos nus. Não posso citar o autor desta maravilhosa constatação mas deve ter sido alguém muito conhecido das letras e das artes.