segunda-feira, 7 de julho de 2014

Razões - Agregar

Candidatura a candidato

Primeira razão - UNIR

A primeira razão da minha candidatura a candidato é unir a família socialista que está profundamente desunida como o comprova a última eleição do seu Secretário-geral por 96,39%. Sabe-se agora que essa eleição, os documentos, propostas e resoluções aprovados por percentagens igualmente divisionistas, se deveu a militantes "complacentes" ou "distraídos" (1.702 delegados ao Congresso Nacional) o que faz com que os seus votos tenham um valor de Pirro e sem valor em termos temporais de mandato atribuído.

Olhando para este panorama de profunda desunião que anunciava uma efectiva impossibilidade de atingir uma solução de governo forte e capaz de garantir a mudança, senti o dever patriótico de me apresentar como alternativa.

Com duas palavras, Unir Esfrangalhando, ou com três, Estava Escrito nas Estrelas, eu sinto ser aquilo que os socialistas e muitos cidadãos que não sendo socialistas acham que eu posso e tenho o dever de dar.

Por isso, para satisfazer o que eu sinto ser, para garantir a mudança e para atingir uma solução de governo forte, disponibilizo-me.

Conto com a vossa igual disponibilidade para subscreverem a minha intenção de propositura.
LNT
[0.287/2014]

Omnipotência e omnipresença

Espírito SantoSem pretensões a dissertar sobre a terceira prosopon do catolicismo e menos ainda a blasfemar sobre os mistérios da fé, vejo com todas as reservas a entrada de uma Trindade Cavaquista, por mui douta que seja, no CEO do Espírito Santo. Tenho razões, as mesmas tidas por todos os contribuintes deste País que não tiveram a capacidade de ressuscitar ou renascer, para estar incomodado.

Ao contrário de muitos outros, pouco me importa que o Estado avance pela banca privada uma vez que, se o Estado é o seu grande financiador em alturas de aperto, tem o direito de se sentar na sua administração quando a coisa dá para o torto.

Acontece que é politicamente inaceitável que a intervenção estatal se faça com uma trindade abençoada por quem representa o Estado, mas não o é.

E como gato escaldado, de água fria tem medo, espero que tão venerável trindade se abstenha de disponibilizar, no futuro, participações celestiais reservadas, e fora do mercado terreno, a correctores de clientes sem pecado.

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
LNT
[0.286/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXL ]

Polvo na brasa
Polvo na brasa - Por aí (cada vez mais por aí) - Portugal
LNT
[0.285/2014]

domingo, 6 de julho de 2014

Protesto

Candidatura a candidato

PROTESTO

Tendo tantas assinaturas como o outro candidato a candidato e tendo todas as condições para participar nesta disputa, apresento um veemente protesto pela Comissão Nacional do PS não me ter chamado a contribuir para o Regulamento das Primárias.

O facto da minha candidatura não dispor de verba suficiente para alugar o Tivoli não deveria ser razão para que me negassem direitos iguais.
Espero que o Regulamento também preveja a atribuição de um lugar de observador à minha candidatura a candidato.

Oportunamente lavrarei o protesto oficial a entregar no Rato.
LNT
[0.284/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXXXIX ]

Campo Grande
Campo Grande - Lisboa - Portugal
LNT
[0.283/2014]

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Janelas de oportunidade

Militante disponível procura 1.000 / 1.500 assinaturas para se fazer candidato a candidato nos termos da resolução contida neste link.

Primárias - LNT candidato a Primeiro-ministro

Bom homem, embora sem acesso aos tradicionais meios de comunicação, sem nunca ter sido membro da Juventude (quando entrou – logo no início - já era um homenzinho), sem nunca ter sido ministro, deputado, nem presidente de câmara, mas com sólidos conhecimentos de militância de base e quotas em dia, com vasto curricula de trabalho, pagamento de impostos e descontos para a Caixa Geral de Aposentações, sem dívidas ao fisco e sem nunca ter recebido apoios do FSE, FEDER, FC, FEADER, FEAMP ou quaisquer outros apoios comunitários, extra ou intra-comunitários, procura um lugar ao Sol que, como se sabe, quando nasce é para todos.

Assunto sério e garantia de sigilo absoluto.
Respostas para o apartado do costume.
LNT
[0.282/2014]

O barbeiro [ XVI ]

O BarbeiroDe novo sexta-feira, dia da semana programado para higiene e balanço de caixa na barbearia.

As receitas continuam diminutas, embora a troika já tenha desligado o relógio do(as) Caldas. A clientela que felizmente continua a não faltar e que cada vez mais se diversifica aparecendo de precedências nunca vistas, mantém o hábito de pedir, no fim de cada função, que acrescente o valor do corte ao rol dos calotes.

- Isto continua sem saldo e, do pouco que recebo, um quarto vai directo para a almofada do Coelho - desabafa o Sr. Luís frustrado por não conseguir pecúlio bastante capaz de reempregar uma ou outra colaboradora que anime a malta e a descontraia enquanto lhes cerceia os topetes.

Perdido na limpeza das navalhas e no afiar dos outros instrumentos de corte, o barbeiro alertado por um seu concorrente, procurou a tesoura usada no último corte e confirmou que estava romba, o que poderá ter provocado alguma dor durante o aparo e penenticia-se:

- Talvez devesse ter usado outra tesoura, alguma mais afiada mas de menores dimensões, mas foi aquela que estava mais à mão. Tenho de ter mais atenção até porque há clientes que não merecem sacudiduras por mau estado das ferramentas. Quando o homem cá voltar hei-de dar-lhe uma palavrinha. Com isto foi buscar o rebolo e amolou a tesoura deficiente.

Entretanto na rádio cantava o Carvalho do depois do adeus. O Sr. Luís, que a sabia de cor, trauteou-a com saudade e sentimento:

- E depois do adeus e depois de nós, lá, lá, rá, lá, lá. – e voltando ao pensamento anterior - Mas, chiça, o tipo com aquelas coisas dos costistas irritou-me porque parecia não perceber que isso não existe (para além dos do Castelo, freguesias adjacentes e mais uns quantos “complacentes” ou “distraídos”, como dizia o outro), assim como não haviam assististas, conforme o próprio percebeu logo que perdeu o concurso de há três anos. O que há são outros “istas” à procura de testas de ferro. Quando o cliente retornar hei-de desbastar com mais precisão evitando o repelão - Concluiu, arrumando.
LNT
[0.281/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

Já fui feliz aqui [ MCDXXXVIII ]

Comes
Gambas, Pleurotus e Paio - Por aí - Portugal
LNT
[0.280/2014]

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Os fins e os meios para os atingir

Keiti OtaDeixando para considerações futuras o comportamento das duas partes que ambicionam apresentar um candidato do PS com credibilidade para que o Presidente da República venha a empossar como Primeiro-ministro nos termos da Constituição, ficam algumas questões sobre o desenrolar do processo interno para escolha do futuro Secretário-Geral do PS, caso o actual não atinja a meta a que agora se propõe.

Também para esse processo deixo de parte o comportamento das linhas que se apresentarão a votos porque creio que a violência verbal e o extremar de posições será ainda maior do que aquele que tem havido nesta fase e aponto cenários que alguns apelidarão de mirabolantes, como sempre se apelidam quando são apontados, e que só o deixarão de ser quando se comprovarem como realidade.

Imaginemos, por absurdo, que António José Seguro, no dia 28 de Setembro, deixa de ser o candidato a sugerir ao PR caso o PS consiga vencer as legislativas e em virtude disso cumpre a sua palavra e se demite do cargo de Secretário-geral abrindo o processo eleitoral para a liderança do PS e consequente marcação de um Congresso Nacional para debate e aprovação das linhas programáticas e moções políticas (e eventuais revisões estatutárias, a manter-se a ideia de que os actuais estatutos não servem).

1- António Costa e António José Seguro apresentam candidaturas ao cargo de SG.

É um cenário no mínimo estranho uma vez que, se Seguro perder as directas e por tal se demitir, não parece curial.

2- António Costa apresenta-se como candidato único ao cargo de SG.

É um cenário no mínimo estranho uma vez que significará a desistência de todos os que não estão conformados com o avanço perpetrado contra a actual direcção.

3- António Costa apresenta-se como candidato e contra ele apresentam-se um ou vários candidatos ao cargo de SG.

É um cenário interessante principalmente se Costa perder essas eleições ou se tiver uma vitória de Pirro uma vez que, no primeiro caso, deverá abrir novo processo para escolha do candidato a sugerir ao PR para o cargo de PM ou, no segundo caso e aplicando a lógica em voga, terá de se demitir à mesma.

O imbróglio criado tem responsáveis mas não terá fim, restando por saber se o fim de tudo isto não foi precisamente criar um tal imbróglio que só possa ser resolvido com o aparecimento de nova força política (que possivelmente até já foi testado como piloto nas últimas europeias).

Um fim como qualquer outro, mas um fim que o Partido Socialista não merecia que lhe tivesse sido decretado.

Bom fim-de-semana.
LNT
[0.279/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXXXVII ]

Leitão
Leitão assado - Bairrada - Portugal
LNT
[0.278/2014]

quarta-feira, 2 de julho de 2014

A fada Oriana

Vieira da SilvaNão sou dos que pensam que seria preferível que Sophia fosse escola obrigatória em vez de ser mais uma urna no mausoléu nacional.

Sou dos que pensam que Sophia tem de ser ensino obrigatório e que tem o seu lugar perpétuo no Panteão Nacional porque um dia um dos muitos analfabetos, que por ser doutor em alguma coisa, pode decidir que o seu ensino deixe de ser obrigatório e assim nunca conseguirá inviabilizar que a memória nacional deixe de recordar Sophia – sempre eterna - e que, quando esse doutor voltar a ser pó, ela possa retornar à escola e ao imaginário dos nossos filhos e netos.

VI - A floresta abandonada

Estava tudo muito quieto e muito calado. A floresta parecia despovoada. Não se ouviam pássaros. Não havia nenhuma flor.
Mas havia muitos cogumelos venenosos. E Oriana chamou:

- Pássaros, esquilos, veados, corças, coelhos, lebres!

Então ouviu um barulho no chão e, pequenina e preta, a víbora apareceu.

- Bom dia - disse a víbora.

- Bom dia, víbora - respondeu Oriana. - Onde estão os outros animais?

- Foram-se todos embora para os montes. Como a fada Oriana os abandonou e não tinham ninguém para os proteger dos tiros dos caçadores, eles tiveram de fugir para muito longe. Só ficaram os ratos, as víboras, as formigas, os mosquitos e as aranhas.

- Ah! - disse Oriana, corando de vergonha. E perguntou:

- Sabes quem eu sou?

- Não - disse a víbora. - Vejo só que és uma menina muito bonita.

- Não sou uma menina bonita. Sou uma fada, sou a fada Oriana.

- Ah! Mas que esquisito! Onde é que estão as tuas asas? Nunca ninguém viu uma fada sem asas.

- Agora não tenho asas, mas daqui a dias vou voltar a tê-las. É uma história que não te posso contar.

- Eu, como ando sempre metido debaixo da terra, nunca te tinha visto, mas já tinha ouvido falar de ti.

- Sim? O que te disseram de mim?

- Contaram-me que dantes eras muito boa e tomavas conta da floresta, mas um dia abandonaste os teus amigos todos porque te apaixonaste por um peixe.

- Isso é mentira - disse Oriana, furiosa. - Nunca me apaixonei pelo peixe. Que história tão estúpida!

- Pois fica sabendo que é isso o que se diz. Até contam que tu passavas horas e horas debruçada sobre o rio a fazer penteados e a enfeitar-te com flores só para o peixe te dizer que estavas muito bonita.

- Mas eu nunca me apaixonei pelo peixe. Eu passava horas ao pé do rio porque gostava de me ver no rio.

- Talvez seja como dizes. Mas o peixe contou aos outros peixes, que contaram aos pássaros, que contaram aos coelhos, que contaram às víboras, que tu estavas louca de amor por ele e que só pensavas em te enfeitares para que ele te achasse bonita. Oriana estava indignada. Sentia-se ridícula. Olhou para a víbora e disse:

- Isso é uma mentira muito estúpida. Uma fada não se pode apaixonar por um peixe. Essa história é má-língua. É a célebre má-língua das víboras.

E, virando as costas, Oriana seguiu o seu caminho, mas enquanto se afastava ouviu o riso mau e sibilante da víbora:

- sssssssssss.

Ao fim de muito andar chegou à casa do moleiro. A porta estava aberta. Lá dentro estava tudo na maior desordem: as gavetas e os armários abertos e vazios, o chão e os móveis cobertos de poeira, e havia por todos os lados coisas partidas. A casa parecia ter sido abandonada há muito tempo. O lume estava apagado, os quartos cheios de teias de aranha. Oriana pegou numa vassoura e num trapo e começou a varrer e a limpar a casa. Então ouviu um ruído e uma voz que a chamou:

- Oriana! Era um rato.

- Oriana, não vale a pena arrumares a casa. Já não vive aqui ninguém senão eu. O moleiro, a moleira e os seus filhos foram viver para a cidade.

- Ah! Mas porquê? - perguntou Oriana.

- Um dia desapareceu um dos filhos mais novos, aquele que tem caracóis pretos e que tem quatro anos. O moleiro e a moleira procuraram-no durante nove dias pela floresta toda sem o encontrar, e ao fim de nove dias o moleiro disse: "O nosso filho perdeu-se na floresta, ou foi comido pelos lobos, ou caiu ao rio, que o levou afogado para longe. Não vale a pena procurá-lo mais. Vamo-nos embora da floresta antes que torne a acontecer outro desastre. - Há muito tempo que eu sentia que ia acontecer uma coisa má - disse a moleira. - ultimamente tudo me corria torto. Quando eu chegava a casa encontrava tudo desarrumado. Os meus filhos estavam sempre a cair ao rio e voltavam sempre para casa sujos, rotos e cheios de feridas. Vamos depressa embora da floresta." E depois desta conversa o moleiro e a mulher fizeram as malas e as trouxas, puseram tudo numa carroça e foram com os filhos para a cidade. Por isso não vale a pena arrumares a casa.

- Foi tudo por minha culpa - suspirou Oriana -, fui eu que os abandonei. Os filhos do moleiro caíam ao rio e voltavam para casa sujos, rotos e feridos porque eu não tomava conta deles. Até que um se perdeu. Ai como é que eu hei-de desfazer o mal que fiz? E dizendo isto Oriana pôs-se a chorar ao pé do lume apagado.

- É uma grande tristeza - disse o rato. - E foi realmente tua a culpa.

Oriana pegou na vassoura, dizendo:

- Apesar de tudo, vou acabar de arrumar e limpar a casa.

Quando chegou ao fim das limpezas, a fada despediu-se do rato e foi outra vez pela floresta fora. Pelo caminho havia pedras que lhe magoavam os pés e tojos e matos que a picavam. Quando ela tinha asas, voava por cima dos caminhos maus e só pousava no chão os seus pés quando o chão estava coberto de musgo, de relva macia ou de areia fina.
"Que difícil que é a vida dos homens", pensou ela. "Eles não têm asas para voar por cima das coisas más." Andando, Oriana chegou à cabana do lenhador. Também ali o lume estava apagado, o chão coberto de pó. A cama, a mesa e os bancos tinham desaparecido.

Então Oriana ajoelhou-se ao pé do lume apagado e chorou. E ouviu uma voz dizer:

- Oriana, que é feito das tuas asas?

Era uma formiga. - A Rainha das Fadas tirou-me as minhas asas porque eu faltei à promessa que lhe fiz.

- Foi um castigo justo porque tu esqueceste e abandonaste os teus amigos. Vê o que aconteceu nesta cabana. O lenhador e a mulher eram muito pobres. Mas todas as manhãs tu aqui entravas com três pedrinhas brancas. E transformavas as pedras em dinheiro, em roupa, em pão. Até que houve uma manhã em que tu não vieste. E dai em diante passou a haver fome, frio e miséria nesta cabana. E um dia o lenhador disse à mulher: "Não podemos continuar a viver com tanta miséria. Vamos para a cidade procurar trabalho."
E fizeram uma trouxa com os seus trapos e pegaram nos móveis às costas e com o filho pela mão partiram para a cidade. Iam tristes e choraram muito quando se despediram desta cabana, onde eram felizes, no tempo em que tu todos os dias os visitavas com três pedras brancas.

- Ai, formiga - disse Oriana, soluçando -, como é que eu hei-de desfazer todo o mal que fiz? Só agora é que eu compreendo como a minha promessa era importante. Só agora é que eu compreendo como a floresta precisa de mim.

- Não sei que conselho te hei-de dar - respondeu a formiga. - Mas já que estás arrependida de nos teres abandonado, já que queres voltar a ajudar os homens, os animais e as plantas, faz-me um favor.

- O que é? - perguntou Oriana, limpando as lágrimas.

- Pega numa pedra branca e transforma-a numa pedra de açúcar.

- Ai, formiga! - disse Oriana. - Já não tenho varinha de condão. Não posso fazer o que me pedes. Já não sirvo nem para ajudar uma formiga.

- Então se não me podes ajudar, adeus, Oriana. Tenho muito que fazer.

E, com um ar muito atarefado, a formiga foi-se embora.

Oriana suspirou, levantou-se e saiu da cabana. Cá fora já anoitecia. A fada pôs-se a caminho da torre do Poeta. A torre ficava longe e o caminho era selvagem, cheio de picos e de pedras. Oriana caminhava cortando a cada instante os seus pés. Não se ouvia cantar nenhum pássaro, não se via correr nenhum coelho, não se via aparecer nenhum veado com o seu ar majestoso e os olhos húmidos de doçura. Em toda a floresta pairava o silêncio, o abandono, a solidão. Quando Oriana chegou à torre, era já noite fechada. E ela levava os pés em sangue e o coração pesado. A porta da torre estava aberta. Oriana entrou, subiu as escadas, pensando:

- O Poeta vai-me consolar, vai-me dizer o que hei-de fazer. Ele vai encostar a minha cabeça ao seu ombro para que eu possa chorar, chorar até que a minha solidão se desfaça.

Oriana abriu a porta do quarto do Poeta. E viu que o quarto estava vazio. Os papéis que dantes cobriam os móveis e o chão tinham desaparecido. Mas a lareira apagada estava cheia de cinza de papéis queimados. E o vento, que entrava pela janela, espalhava as cinzas. Estava tudo coberto de cinza. Oriana atravessou o quarto e os seus pés feridos deixaram pegadas vermelhas de sangue sobre a cinza macia e branca. E ela ajoelhou-se em frente dos papéis queimados e, com a cara coberta de lágrimas, disse:

- Vim à procura do meu amigo e não o encontrei. Oh, como é que poderei desfazer o mal que fiz! Eu quebrei a felicidade dos homens, dos animais e das coisas. Eu esqueci a minha palavra e abandonei a minha promessa. Agora só encontro lumes apagados, casas vazias e cinza.

Então uma aranha desceu do tecto, agarrada ao seu fio brilhante, e perguntou:

- És a fada Oriana?

- Sei que sou Oriana, mas já não sei se sou fada. Faltei à minha promessa e a Rainha das Fadas castigou-me: o vento levou as minhas asas e a minha varinha de condão transformou-se em poeira.

-É um castigo justo - disse a aranha -, porque tu abandonaste os teus amigos. Ouve o que aconteceu nesta casa: uma noite tu não vieste. E no dia seguinte, mal caiu a noite, o Poeta encostou-se à janela à tua espera. E quando uma folha mexia, quando um ramo seco estalava ou quando a brisa fazia dançar as ervas, ele dizia: "É Oriana." Mas não eras tu. Tu nunca mais voltaste. E ele esperou noites e noites sem fim. Sem ler, sem escrever, sem fazer nada. Passeava pelo quarto e falava sozinho. Até que uma noite, quando cantou o primeiro galo da madrugada, ele disse: "Oriana mentiu. Ela tinha-me dito: Nunca, nunca te hei-de abandonar. Mas eu tenho esperado, esperado, esperado. As noites têm passado devagar, uma por uma. Oriana já não aparece. O mundo está desencantado. Quero ir para a cidade e quero tornar-me igual aos outros homens. Quero tornar-me igual aos homens que não acreditam em encantos e que não escrevem versos. Vou queimar todos os meus livros e papéis." E depois de ter dito isto fez um grande fogo na lareira com os livros e papéis onde estavam escritos os seus versos. Ficou sentado a ver arder o lume e o reflexo da chama dançava na sua cara pálida e triste. E quando tudo se desfez em cinza, ele levantou-se e partiu para a cidade. E eu vi-o desaparecer na luz fria da madrugada.

- Foi minha a culpa - disse Oriana. - Como é que eu agora poderei fazer renascer os seus versos da cinza? Como é que eu hei-de fazer que a alegria e a amizade do meu amigo renasçam desta cinza? Ai, como o peixe me iludiu e me enganou com os seus elogios! Eu quero desfazer o mal que fiz. Irei à cidade buscar os meus amigos homens; irei aos montes buscar os meus amigos animais.

E, levantando-se do chão, Oriana despediu-se da aranha e partiu para a cidade. Atravessou outra vez a floresta, ferindo os seus pés nas pedras e rasgando-se nos tojos. Passou pelo caminho cheio de abismos e, quando era meio-dia, chegou à cidade.
A fada Oriana
Sophia de Mello Breyner Andresen
LNT
[0.277/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXXXVI ]

Alentejo
Alentejo - Portugal
LNT
[0.276/2014]

terça-feira, 1 de julho de 2014

O barbeiro [ XV ]

O BarbeiroRegressadinho de fresco do centro europeu onde andou uns anos a fazer uma perna social-democrata e a descansar das agruras duma vida contra o capital, Vital senta-se para uma tosquia nos cabelos prateados.

O Sr. Luís, que não o via desde os tempos em que os solstícios eram festejados no Lux-Frágil, alegrou-se com tão distinto cliente, cedeu-lhe a cadeira de cabedal, preparou o pó de talco da melhor safra e vestiu-o com a toalha de seda que só usava em gente de constitucionalista para cima.

- Seja bem-vindo, meu caro. Vai querer o corte rente para ou só pretende umas tesouradas até que o Verão acabe?

- Nem uma coisa, nem outra, Sr. Luís. Sabe que isto dos radicalismos já foi chão que deu uvas e há que contrabalançar nos entremeios as saudades do francês e do vlaams com uns palpites mais para parecer do que para ser.

De tesoura em riste já apontada à farta cabeleira que muito invejava, o barbeiro foi apurando a estratégia para abordar o corte quando Vital deixou escapar: - Sr. Luís, na geografia da disputa para a liderança…, Costa não deve deixar posicionar-se nem à esquerda nem à direita da actual direcção, mas sim acima dela. Perante os diversos "ismos" com que se costumam identificar as correntes e “sensibilidades"… (soaristas, guterristas, ferristas, socratistas, etc.), ele deve protagonizar uma nova síntese mobilizadora, um novo mainstream, ou seja, o "costismo".

O Sr. Luís que sempre se comovia com coisas tão bem ditas, como mainstream, e que se emocionava cada vez que recordava António Silva no papel de Simplício Costa, o Costa do Castelo, do saudoso Arthur Duarte, respondeu-lhe com a voz embargada: - Professor, mas já reparou que nesse filme nunca se dá um valor igual aos “istas” e aos “ismos”. Enquanto os “istas” vivem em casas amansardadas, os “ismos” amancebam-se nas casas dos “istas” e os resultados não são brilhantes, principalmente quando os “istas” pretendem voltar à posse das casas e desamancebam os “ismos”.

- Por isso lhe digo que é necessária uma nova síntese mobilizadora – respondeu Vital -, um mainstream, repito, uma coisa popularucha que encha ecrãs e folhas de papel para, à falta de entourage, projectar o tal protagonismo fazendo de uma coisa de imagem, uma força como a força que cantava Nelly Furtado.

Orgulhoso o barbeiro deu o trabalho por findo. Orgulhoso e rendido.

– Bom dia, Prof. volte sempre que sabe ter aqui uma casa às suas ordens.
LNT
[0.275/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

O mal está feito

BoteroAs bandeiras da papoila 71.602 (2.18%) enroladinhas a um canto da sala, as outras da terra 234.603 (7.14%) no mesmo estado mas em canto oposto, os 306.205 votos queimados (9.32%), a lebre refugiada lançada por mão alheia de um sótão qualquer do ACNUR e, imediatamente após ter feito saltar o galgo, já com todos os gatilhos apontados para abate abrindo lugar a personagens da antiguidade (grega ou romana) para o pátio dos bichos, a oposição irresponsavelmente posta a ferro e fogo com consequências imprevisíveis, a situação a esfregar as mãos de Pilatos e a continuar a encher os baús com o que pagará os votos que pretende receber para a seguir voltar a desprezar e os nacionais confiscados a ver toda esta miséria, dizendo mal da vida enquanto aumentam o seu desprezo por aquilo de que deveriam orgulhar-se.

O mal está feito, muito mal feito. O acerto de contas está em campo, violento e em jeito de golpe de estado. O estado do Estado está miserável, quase tão miserável como o estado dos que não entendem que o colectivo está acima dos seus interesses pessoais e olham para a porcaria que fazem sem perceber que ela arrasta pessoas para a fome, para a privação do sustento, para o exílio forçado, para o retorno à desqualificação, para a morte à falta de assistência.

O mau deste mal é o próprio mal. E o mal está feito e tem nomes. Imperdoável.
LNT
[0.274/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXXXV ]

Mexilhões
Mexilhões à Bulhão Pato - Por aí - Portugal
LNT
[0.273/2014]