[0.236/2009]
O preservativo papal
Tenho tentado resistir à pronúncia sobre a polémica preservativa papal. Começo por esclarecer que a abordagem é-me complexa porque não partilho da concepção doutrinal sobre o sexo defendida pela Igreja Católica Apostólica Romana, mas parece-me um contra-senso que se espere do representante dessa doutrina a defesa de coisa diferente daquela que é nela comportada.
Para uma doutrina que defende a moral do comportamento sexual como monógama, hetero e conceptiva não faz sentido apoiar a imoralidade (contrária à doutrina defendida) anticonceptiva, polígama e/ou homo que decorre do conceito que aconselha o uso do preservativo.
Benedictus XVI não coloca a questão do sexo livre, porque essa questão não é defensável na óptica da doutrina que defende e aponta o caminho para o combate à HIV/Sida transmitida por contacto sexual, pelas regras definidas na moral católica apostólica romana, isto é, refiro mais uma vez, monogamia hetero e conceptiva.
Concorde ou não com a doutrina, parece-me simples e coerente a posição do Papa.
A confusão que por aí vai reside no facto de todos, independentemente do seu credo ou crença, quererem ouvir o Papa (e discutirem o que ele diz) quando ele está a falar para os crentes da sua comunidade religiosa.
LNT
12 comentários:
Infelizmente não se pode esperar mais de alguém como o papa.
É verdade que é coerente, mas quantas vidas mais vai custar a coerência dele?
Olá Maria,
A coerência decorre da coerência da doutrina.
Isto de se ser crente não é ir à Missa e comer umas hóstias, embora seja o que socialmente se aceita.
A Teologia impõe complexidade e só está obrigado a cumprir as leis da Igreja quem se revê nela.
O Papa é um líder religioso e não um médico. Compete-lhe a defesa da teologia e da filosofia da sua Igreja.
Coerente com a doutrina que defende .. gostei de ler Caro LNT .. como sempre.
Votos de um bom fim-de-semana
Coerente, pode ser, mas não deixa de ser assassina, porque coloca vidas em risco, qie me parece contrário à fé cristã ( seja lá o que isso for). Além do mais, é bom não esuqcer que em África, há padres e freiras que distribuem preserrvativos e incitam ao seu uso, pelo que Bento XVI devia ter ficado caladinho. Desculpe afrontalidade, mas é assim que vejo o problema.
Caro Carlos
O seu parentesis justifica o seu raciocínio quando escreve "que me parece contrário à fé cristã (seja lá o que isso for)".
A questão está colocada em termos de coerência e custa a perceber como é que o caro Carlos sem saber da Teologia e da Doutrina porque, segundo diz não sabe o que é a fé cristã, se pronuncia sobre o pensamento papal.
Once já tinha ido ao fulcro da questão, que não é o perservativo, conforme compreenderá, mas sim "a doutrina"
Do ponto de vista da essência da Doutrina, as declarações do Papa são coerentes com a sua ideologia. E do ponto de vista da obrigação moral?
O Papa quando dá umas "cambalhotas" com umas freiras não deve usar preservativo. Ah, é verdade. A Doutrina da Igreja também diz: "Olha para aquilo que digo, mas não olhes para aquilo que eu faço".
A moral, meu caro, é a moral apregoada pela Doutrina Católica Apostólica Romana. A obrigação moral idem.
Quanto à segunda parte do comentário...
"O Papa é um líder religioso e não um médico. Compete-lhe a defesa da teologia e da filosofia da sua Igreja"
Ok, será, mas a questão é um bocadinho mais complexa do que isto. Porque sendo um líder religioso, não está livre da responsabilidade moral e intelectual. O que o papa disse é factualmente indefensável, é intelectualmente desonesto e moralmente condenável à luz das duas primeiras.
Em segundo lugar, e como já aconteceu antes, a Igreja muda de posição. Devagar, tarde, mas muda. É legítimo esperar que em mais este assunto isso venha a acontecer porque a oposição ao preservativo é moralmente muito difícil de defender, mesmo do ponto de vista da crítica da licenciosidade. Um casal tem direito à sua vida sexual e a vida sexual faz parte da realização do indivíduo. Um dia, o Vaticano há-de compreender isto, como muitos católicos já compreenderam.
Caro Miguel,
A questão é mesmo muito mais complexa do que isso, não tenho qualquer dúvida.
Mas é complexa porque a queremos analisar fora da Igreja e ela é uma questão da própria Igreja, da sua Doutrina e dos seus Fundamentos.
É um pouco como pedir a um legislador que tenha fundamentado a interdição de matar, para que venha depois defender que, ainda assim, se tiver que matar, que mate de forma indolor.
Enfim, faço de advogado do Diabo, Deus me perdoe, mas volto ao princípio.
O Papa é um líder religioso que defende a moral do comportamento sexual como monógama, hetero e conceptiva. Não há volta a dar-lhe. Os Católicos que não cumpram estão em falta com a sua própria Doutrina e os que cumprem não precisam de preservativo.
Isto não se aplica aos Muçulmanos, aos Hindus ou a qualquer outra religião que não a Católica Apostólica e Romana e como tal a mensagem é dirigida só para quem se reveja na Igreja a que o Papa preside.
Bom post e bons comentários.
Quando um dia precisar de um advogado do diabo, já sei onde encontrar um realmente bom.
Gostava de acrescentar dois pontos:
- Uma das acusações mais ridículas e ignorantes que se fazem ao Papa é a de ele ser culpado pelo alastrar da SIDA em África. Primeiro, porque quem lhe dá ouvidos e não usa preservativo, por maioria de razão lhe dá ouvidos e não pratica sexo promíscuo (que é o nome da coisa, quando a Igreja resolve pôr nomes aos bois - e quem não concorda com esta maneira de ver as coisas, pois fique à vontade para usar o preservativo sempre que lhe apetecer, que a saúde pública agradece). Segundo, porque na luta contra a SIDA em África, a Igreja Católica tem uma presença fundamental e admirável. Talvez por isso mesmo, este escândalo do preservativo tenha criado tantas ondas na Europa e tão poucas em África: os que se debatem diariamente com esta tragédia sabem muito bem o que é que a Igreja realmente pensa e faz. Parafraseando um comentador: os africanos saberão olhar para o que a Igreja faz e não para o que [os jornalistas dizem que] o Papa diz, e por isso não se deixam incomodar muito com estas escaramuças europeias de ideólogos de sofá.
- Ainda não percebi em que língua é que o Papa falou, e não vi em lado algum um vídeo da entrevista, ou a transcrição fiel do que foi dito. Na notícia alemã que li, ele terá dito que o problema da SIDA em África não se deixa regular com preservativos. E que isso só complica o problema.
Interpreto (porque confio na inteligência deste Papa) que "isso" não significa "usar preservativos" mas "acreditar no preservativo como *a* solução para regular o problema da SIDA em África".
Se resistirmos ao impulso pavloviano de desatar a salivar ao ouvir a palavra "preservativo", e se aproveitarmos para ir ver o que é que a Igreja Católica tem feito em África para tentar minorar o problema, damo-nos conta que o homem pode ter razão, e que isto não tem nada a ver com Moral. Distribuir preservativos é um detalhe. Aliás: uma das maneiras mais cómodas de se ter a sensação de ter feito alguma coisa para lutar contra a SIDA em África.
Muito mais trabalhoso e complexo é lutar contra a pobreza que obriga as mulheres a cair na prostituição, fazer educação sexual, ajudar os doentes e as suas famílias, tratar mulheres seropositivas grávidas para impedir que a doença se transmita ao filho, pressionar e investigar para que África tenha acesso aos medicamentos a um preço acessível. É isso que a Igreja Católica faz em África.
Mas os jornalistas que publicaram a entrevista ao Papa, onde ele contrapunha à solução "preservativos" a solução bem mais complexa do "despertar humano e espiritual" e do "auxílio aos que sofrem" (e, desculpem, vou fazer um desenho: o Papa não escolhe entre preservativo e não-preservativo, mas entre preservativo e uma solução infinitamente mais complexa), optaram por dar todo o destaque ao "não-preservativo".
E depois queixam-se que ninguém os respeita...
Caro Luís, o Papa estava “a falar para os crentes da sua comunidade religiosa” quando, em Angola, abordou o tema da corrupção? Se sim, é porque há muita vigarice nas paróquias africanas. Mas se não, se umas vezes o Papa fala “para dentro” e outras “para fora”, convém que se difundam os separadores do dossier das prédicas papais.
João Tunes
Caro João
O Papa fala para os seus crentes.
No entanto ouve-o quem quer, como quem quer ouve outro qualquer lider religioso.
A importância que tem é a importância que lhe é dada por quem está disponível para o ouvir. Isso e a importância que está associada, principalmente em África, à intervenção missionária que raras vezes olha para o credo de quem apoia.
De resto, meu caro, aquela da vigarice nas paróquias é mera figura de estilo, do teu estilo que, como sabes, aprecio.
Mas ainda bem que falaste da corrupção por ele bem evocada. É que este assunto sim, é verdadeiramente importante e pouco relevo se lhe tem dado, até pelo contraste com o lambe-botismo político, como se verificou quando o DosSantos visitou Portugal, onde a diplomacia dos interesses nunca deixa passar tal discurso.
Abraço
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