(aviso: texto mais longo do que é habitual)
CC, uma ilustre e antiga cliente entra no estabelecimento, cumprimenta o barbeiro e dirige-se para a cadeira vaga.
- Bom dia Senhora Dona
CC, prazer em revê-la. Gostaria de lhe oferecer um café, um chá...
- Um café, por favor.
- Aníbal, faz-me o favor de ir buscar um café para a Dona CC, sem açúcar e em meia chávena escaldada. – Aníbal, é um antigo funcionário da barbearia que se reformou, faz tempo, e a quem o Sr. Luís cedeu um dos quartos vagos de massagens para o tirar da rua, onde vivia há três anos. Ali tinha telha, água e cama, dando em troca uma ajuda ao barbeiro.
-Então, minha Senhora, o que a trás por cá? Não pode ser para madeixas porque, como sabe, o pessoal que eu tinha para esses serviços teve de ser dispensado quando a loja começou a trabalhar só para o fisco.
- É aquela coisa da herança de que o senhor fala e que me deixa com a pulga atrás da orelha por não saber quem morreu. - Respondeu CC já de xícara na mão.
- Ah! a
herança, a
morte, a
assumpção do passado, a
falta de liderança, essas coisas que um punhado de insurrectos com muita garra e exposição pública não querem calar e esbracejam para tentar convencer as pessoas de que anarquia e democracia têm o mesmo significado. Ora bem, vamos por partes:
A tal liderança, ou melhor, a sua falta, tornou-se uma realidade quando se deu a insurreição. Para mim só havia dois trajectos a seguir: Ou o líder considerava o desafio como um perigo para o caminho da vitória que estava aberto à sua organização, e marcava logo um tira-teimas para matar a rebeldia à nascença (o que entendo que deveria ter feito), ou informava o País de que o que importava era seguir em frente e retirar o poder a esta gente que nos anda a secar, e informava os conspiradores de que não era tempo para desafios e que se deveriam perfilar para o combate quando se abrisse o processo eleitoral previsto nos regulamentos. Não foi uma coisa, ou outra, que se entendeu fazer e a liderança foi posta em causa, a aguardar pelo Outono. Nunca tal se tinha visto e nunca se tinha assistido a um ataque a uma direcção sufragada internamente e confirmada em eleições nacionais, ainda mais com a violência e o desrespeito que se tem assistido.
A assumpção do passado, de um passado que levou os cidadãos deste País a entregar o poder na totalidade à direita, e que esta direcção tem voltado a recentrar na esquerda, primeiro na recuperação autárquica e agora no Parlamento Europeu, embora os rebeldes tivessem sido activistas de forças contrárias e/ou produzissem bernardas que levassem os eleitores a não saberem onde votar.
O passado do Partido é muito mais do que os últimos dez anos, mas mesmo o restrito passado dos últimos anos, o tal que conduziu a direita ao poder total - Presidente da República, Assembleia da República, Executivo, Autarquias e Parlamento Europeu – sempre foi assumido, embora, por uma razão de camaradagem, fraternidade e solidariedade, nunca tivessem sido levados à praça pública todos os desacordos que a actual direcção sempre manifestou anteriormente. Aliás desacordos depois aceites como válidos e certificados com resultados nacionais que confirmaram haver muito a corrigir.
Sempre ouvi a actual direcção defender o que foi feito de bem na saúde, na educação, nos segmentos tecnológicos e ecológicos, etc., mas como sempre me pareceu natural nunca a vi defender, embora também nunca a tenha visto recriminar (o que considero um erro), os abusos no despesismo e a falta de previsão de futuro que incompetentemente, apesar de todos os avisos que foram feitos, levaram a que a crise internacional tivesse esmagado os portugueses. Poderiam ter sido seguidos os caminhos abertos pela direcção anterior que levassem a resolver essa falta de previsão, e esses sempre os vi ser defendidos pela actual direcção, mas foram recusados por toda a direita, esquerda e Presidente da República.
A morte, minha cara CC, é uma coisa que não existe em política. O que por aí não faltam são zombies e ressuscitados de alegados mortos que agora se juntam como um grupo de alegadas almas penadas para levar o andor de Santo António. Uma pena, porque este Santo casamenteiro poderia ser o mais alto magistrado da nação onde dignificaria de novo o cargo que tão mal tem sido tratado e que, pelas suas reconhecidas capacidades, retornaria a fazer dele um pólo de equilíbrio. Assim não quis o nosso santinho convencido que, ao reunir os alegados espectros daria mais força aos vivos, e agora vai ter de gerir um saco de gatos que, quando se abrir, lhe há-de dar o mesmo tratamento que deram ou outro santo, Francisco de Assis de sua graça, assim que perceberam que a cola que lhe tinham deitado, já não pegava.
Finalmente a herança, que a conversa vai longa contra o que me é costume, por ser homem de análise silenciosa e de síntese, a herança foi aquilo que ficou para gerir.
O descontentamento e a aflição dos cidadãos (expresso em eleições que deram todos os poderes, sem excepção, à direita, conforme já referi) e
um grupo de críticos activos nos
media e
na casa da democracia. Os comentadores da cor que a direita ainda permite nas televisões, salvo uma ou outra excepção, fazem parte do reviralho e estão sempre prontos a serem mais activos contra a direcção democraticamente empossada do que contra a direita instalada nos palácios. Os tais deputados, à excepção dos 21% e de alguns outros de que se fala, nunca deixaram de se portar como "
herança" não perdendo qualquer ocasião para furar a lealdade.
É isto, Senhora Dona CC.
Espero que o cafezinho lhe tenha caído bem e nunca deixe de me visitar, quando vier à capital. Já agora aproveite e acompanhe Santo António nas festas de Lisboa. As noivas, as marchas e as sardinhas estão no ponto e o resto, o que sobrar, logo se vê.
LNT
[0.233/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/