quarta-feira, 25 de junho de 2014

O barbeiro [ XII ]

O BarbeiroAproveitando o facto de amanhã ser dia de comemorações de nascimento, o barbeiro virou a tabuleta de “fechado para descanso do pessoal” e atirou-se às tarefas de desinfecção e esterilização dos utensílios com que trabalha os seus clientes.

Os primeiros a caírem no caldeirão em ebulição foram as toalhinhas quentes. Seguiram-se, nos tachos mais pequenos, os pentes, as navalhas, as lâminas, as tesouras e as redes de protecção da máquina zero. Finalmente, no pote maior, deixou ferver as toalhas de rosto, os babetes de pescoço e as jaquetas de mestre.

Enquanto tudo se desinfectava, o barbeiro, com os seus botões, meditava em como teria sido mais limpo e curial se, quando Sócrates se demitiu e se abriu o processo de sucessão, Seguro tivesse assumido o que dele fez Secretário-geral, isto é, se se tivesse deixado de rodriguinhos e de punhos de renda e tivesse dito aquilo que todos o que o apoiavam pensavam e se Costa não se tivesse deixado ficar na mândria a ver no que as coisas davam e, em vez de Assis, tivesse assumido aquilo que agora acha dever assumir.

Mesmo que não tivesse sido nessa altura, porque a “narrativa” ainda se podia confundir com as falácias que os adversários externos tinham usado para se imporem ao País com uma maioria absoluta, deveria ter sido naquela segunda altura, há um ano, que tudo deveria ter ficado mais claro se cada um tivesse tido a responsabilidade de assumir, como suas, todas as benfeitorias e malfeitorias que herdaram, mas assim não foi (ah o pensamento do barbeiro a fugir para os “juízos de intenção” e a levarem-no para as teorias de que nessa altura ainda havia muito caminho para caminhar e muito voto escorregadio que não garantia que o caminho caminhado já perspectivava uma chegada à meta. Afinal Guterres ainda só andava pelos refugiados, afinal a mágoa portuguesa ainda podia não estar curada, afinal as vitórias que tinham sido antecedidas de derrotas ainda se mediam pela bitola de vitórias-vitórias e não pela bitola de vitórias-de-Pirro.)

Estava o barbeiro nisto quando, meio amargurado por ver a vida a andar para trás numa altura de balanços e acrescentos aos anos que já lhe pesavam, deu por esgotado o tempo de fervura em que tinha os seus preparos.

Arrumados os utensílios para depois de um dia para o outro ficar mais velho, aferrolhou a porta e, sem olhar para trás, foi à vida que tinha lá fora.
LNT
[0.264/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

4 comentários:

Lourenço disse...

Para ter a mesma linguagem da direita em relação a Socrates (que creio ser socialista) acho que está no partido errado, e digo mais não sou militante de nenhum partido e voto segundo a minha consciência, para mim Sócrates foi o melhor primeiro ministro que Portugal teve não tem nada a ver com o betinho sem ideias que é por enquanto secretário geral do PS

Janita disse...

Então vai-me encerrar a Barbearia de véspera, quando lhe estou a preparar a recepção para amanhã?

Olhe que 'isto é um mês de gente boa' e logo a seguir há mais!

Espero que não vá para longe!

:)

Rosa dos Ventos disse...

Parabéns, Senhor Luís!
Quanto ao que diz...teria sido muito bom mas não foi assim que aconteceu e agora, em vez de narrativa, temos quase uma telenovela mexicana!

Abraço

Jaime Santos disse...

Luís Tito, não faço juízos de intenção sobre as motivações de António Costa, sobretudo depois de ter ouvido o insuspeito Assis dizer que este não avançou há um ano porque Assis e outros lhe pediram. Dito isto, penso, como você, que Costa deveria ter avançado então, se não logo em 2011 e que Seguro deveria ter assumido a rutura com os tempos de Sócrates também em 2011. A Seguro, o PS pode agradecer o facto de ter levado o Partido às costas numa má altura, mas isso, por si só, não justifica que este deva ser o candidato a PM. Em política, não há, como na vida, prémios pelo esforço. Agora, não tenho dúvidas que a atual acrimónia dentro do PS irá implicar que, ganhe quem ganhar, o Partido jamais será o mesmo... Se isso terá reflexos nas eleições de 2015, só o tempo o dirá, mas é provável que tenha, sobretudo se for Seguro a ganhar as primárias, pela delapidação de capital político às suas mãos desde 25 de Maio. Quanto à sua barbearia, terá clientela enquanto desejar mantê-la aberta, mesmo que sejam clientes do contra... Mas penso que dispõe de tesouras e navalhas em número suficiente para os tosquiar quanto baste... Mas com jeitinho, se faz favor...