Sim, seria preciso vê-la desbobinada, cada passo da sua via-sacra destacado, como nas capelas de um calvário, e articulado depois no drama total da Paixão. Mas, como isso é impossível, fica apenas a imagem global duma sedutora decepção feita de rendido culto à beleza e de obstinado apego à raíz. No fundo, uma trágica falta de sintonização entre a consciência do país e a capital, que o foi de direito na hora dos Descobrimentos e, desde que o sonho morreu, passou a sê-lo apenas do facto.
O Velho do Restelo da epopeia, o melhor símbolo até hoje concebido em Portugal de courelas e ovelhas, vive ainda na pele do homem que nos nossos dias desce da Estrela, do Marão e da Peneda, pernoita na Mouraria, e amanhece com um travo a carne cosmopolita e venal, a fado, a volúpia de maresia do Oriente. Esse português das berças tem da prostituição e da aventura um sentido particular e cauteloso.
Miguel Torga
Portugal
LNT
[0.215/2014]
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