quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Novos rumos

Mário SoaresQuando se fala da "Rua Árabe", e hoje em dia é moda falar-se para se fazerem paralelos de coerência, é habitual que se esqueça que a Rua Árabe não é uma transversal da Avenida da Democracia e que ainda se espera para saber se vai dar a um beco sem saída.

Quando se fala de greve geral e se evita mencioná-la dando a entender nas meias-palavras que ela não serve para coisa alguma uma vez que a ascensão da direita radical se deveu a um jogo onde os extremos do Parlamento se aliaram, rasga-se nova rua que, por não ter passeio público, excitará a indignação pela indignação atrelada ao pacifismo, o que a torna inútil.

Quando se fala num novo rumo fazendo relembrar outros "novos rumos" dos idos do século passado que terminaram com uma chuva de almofadas para as bandas das Portas de Santo Antão, fica-se com a ideia de se estarem a abrir os caboucos para mais uma rotunda sem entroncamentos, algo de inconsequente por não ter direcção, nem sentido, nem tão pouco dar indicações para dela sair.

Um novo rumo
Este é o momento de mobilizar os cidadãos de esquerda que se revêem na justiça social e no aprofundamento democrático como forma de combater a crise.
Não podemos assistir impávidos à escalada da anarquia financeira internacional e ao desmantelamento dos estados que colocam em causa a sobrevivência da União Europeia.
A UE acordou tarde para a resolução da crise monetária, financeira e política em que está mergulhada. Porém, sem a resolução política dos problemas europeus, dificilmente Portugal e os outros Estados retomarão o caminho de progresso e coesão social. É preciso encontrar um novo paradigma para a UE.
As correntes trabalhistas, socialistas e sociais-democratas adeptas da 3ª via, bem como a democracia cristã, foram colonizadas na viragem do século pelo situacionismo neo-liberal.
Num momento tão grave como este, é decisivo promover a reconciliação dos cidadãos com a política, clarificar o papel dos poderes públicos e do Estado que deverá estar ao serviço exclusivo do interesse geral.
Os obscuros jogos do capital podem fazer desaparecer a própria democracia, como reconheceu a Igreja. Com efeito, a destruição e o caos que os mercados financeiros mundiais têm produzido nos últimos tempos são inquietantes para a liberdade e a democracia. O recente recurso a governos tecnocratas na Grécia e na Itália exemplifica os perigos que alguns regimes democráticos podem correr na actual emergência. Ora a UE só se pode fazer e refazer assente na legitimidade e na força da soberania popular e do regular funcionamento das instituições democráticas.
Não podemos saudar democraticamente a chamada "rua árabe" e temer as nossas próprias ruas e praças. Até porque há muita gente aflita entre nós: os desempregados desamparados, a velhice digna ameaçada, os trabalhadores cada vez mais precários, a juventude sem perspectivas e empurrada para emigrar. Toda essa multidão de aflitos e de indignados espera uma alternativa inovadora que só a esquerda democrática pode oferecer.
Em termos mais concretos, temos de denunciar a imposição da política de privatizações a efectuar num calendário adverso e que não percebe que certas empresas públicas têm uma importância estratégica fundamental para a soberania. Da mesma maneira, o recuo civilizacional na prestação de serviços públicos essenciais, em particular na saúde, educação, protecção social e dignidade no trabalho é inaceitável. Pugnamos ainda pela defesa do ambiente que tanto tem sido descurado.
Os signatários opõem-se a políticas de austeridade que acrescentem desemprego e recessão, sufocando a recuperação da economia.
Nesse sentido, apelamos à participação política e cívica dos cidadãos que se revêem nestes ideais, e à sua mobilização na construção de um novo paradigma.
Mário Soares, Isabel Moreira, Joana Amaral Dias, José Medeiros Ferreira, Mário Ruivo, Pedro Adão e Silva, Pedro Delgado Alves, Vasco Vieira de Almeida, Vitor Ramalho.
Lisboa, 23 de Novembro de 2011
LNT
[0.534/2011]

2 comentários:

Maria J Lourinho disse...

Muito bem, mestre barbeiro. É isso mesmo.

Helena Araújo disse...

Grande síntese: "Quando se fala da "Rua Árabe", e hoje em dia é moda falar-se para se fazerem paralelos de coerência, é habitual que se esqueça que a Rua Árabe não é uma transversal da Avenida da Democracia e que ainda se espera para saber se vai dar a um beco sem saída."

E grande post!