sexta-feira, 6 de junho de 2014

O barbeiro [ V ]

O BarbeiroEntre, entre, esteja à-vontade. O seu casaquinho pode ficar ali, no cabide da frente e depois faça a fineza de se sentar.

Venho arranjar as unhas - disse-lhe o cliente.

O barbeiro olhou-o de soslaio. Não estranhou os traços. Talvez algum cliente antigo que, por qualquer acaso ou circunstância, deixou as redondezas e voltou para saciar a saudade.

Senhor... - reticenciou o barbeiro na esperança de conseguir uma pista.

E o cliente sem lhe satisfazer o sibilo: - Quero que as unhas sejam aparadas pela Gisela e envernizadas pela Turquesa.

- Lamento, Senhor... mas já não tenho esteticistas nem manicuras no meu estabelecimento. Esses fantásticos tempos de massagens e acepipes já lá vão e agora nem unhas se arranjam aqui porque a minha arte não chega a tanto. Posso dar-lhe um acerto na nuca e um aparo nas patilhas?

- Na cara não toque, deixe as patilhas! Trate da nuca que depois hei-de fazer as unhas em lugar adequado. Preciso delas a brilhar para quando tiver de as mostrar.

O Sr. Luís fez o que tinha a fazer, recebeu o que lhe era devido, facturou o que a lei manda, acompanhou o cliente à porta porque lhe sobrava tempo e voltou a tentar o sibilo mas não conseguiu matar a curiosidade. A narrativa das unhas a brilhar e os traços da cara que não estranhou por mais que escavasse na memória deixou-o intrigado. Quem seria o gajo?

Encolheu os ombros e resignou-se.
LNT
[0.216/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

Barbering Books [ VI ]

Barbering BooksO povo que assaltou Lisboa na companhia do nosso primeiro rei não a devia ter olhado com olhos iguais aos daquele que um outro monarca, louco e megalómano, ali embarcou para o matadoiro de Alcácer-Quibir. E também os que arderam nas fogueiras do Santo Ofício não levaram dela, certamente, uma recordação semelhante às dos irmãos que partiam para a Índia e regressavam gloriosos.

Sim, seria preciso vê-la desbobinada, cada passo da sua via-sacra destacado, como nas capelas de um calvário, e articulado depois no drama total da Paixão. Mas, como isso é impossível, fica apenas a imagem global duma sedutora decepção feita de rendido culto à beleza e de obstinado apego à raíz. No fundo, uma trágica falta de sintonização entre a consciência do país e a capital, que o foi de direito na hora dos Descobrimentos e, desde que o sonho morreu, passou a sê-lo apenas do facto.

O Velho do Restelo da epopeia, o melhor símbolo até hoje concebido em Portugal de courelas e ovelhas, vive ainda na pele do homem que nos nossos dias desce da Estrela, do Marão e da Peneda, pernoita na Mouraria, e amanhece com um travo a carne cosmopolita e venal, a fado, a volúpia de maresia do Oriente. Esse português das berças tem da prostituição e da aventura um sentido particular e cauteloso.
Miguel Torga
Portugal

LNT
[0.215/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXVIII ]

Peixinhos da horta
Peixinhos da horta - Por aí - Portugal
LNT
[0.214/2014]

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Grande Cid


LNT
[0.213/2014]

LIVRE de (para) escrever

Pegando em alguns comentários desta Barbearia, que curiosamente aparecem em alturas de guerra e que a maior parte das vezes não se destinam a comentar o que aqui deixo escrito mas aquilo que os comentadores entendem que eu devia escrever, faço uma puxada de um, que assim não foi, e esclareço (ando nesta dos esclarecimentos para ver se terminam as dúvidas e leituras mal feitas ou carregadas de juízos de intenção):

Nada tenho contra o LIVRE, nem contra qualquer outro Partido novo, velho, ou mais-ou-menos.

Nada tenho contra a existência de qualquer movimento, associação, obra de caridade, ou confissão religiosa. O que tenho é opinião própria e como quem escreve neste diário que me pertence sou eu próprio, com nome e assinatura reconhecida no notário (se necessário), junto letrinhas para tentar expor o que entendo.

Os Blogs têm a particularidade de não serem livros oficiais da quarta classe e por isso não são de leitura obrigatória, pelo que os seus acessos e leitura resultam do liberum voluntatis arbitrium.

Papoila

Aproveitando a boleia, aqui vai de novo para quem ainda tenha dúvidas:

Nada tenho contra o LIVRE. Nada tenho contra os militantes, simpatizantes e afins do Partido das papoilas, assim como nada tenho contra o MRPP, ou contra o Partido de que não me lembro o nome onde se hospedou Marinho e Pinto e que passou a ser mais importante do que o CDS/PP.

As minhas interrogações vão para militantes, simpatizantes e outros que ainda há 15 dias andavam com as papoilas às costas (sem segundas intenções, claro!) e que agora choram lágrimas de crocodilo por o PS ter tido uma vitória de Pirro em vez de se preocuparem com a insignificância de Hércules que o LIVRE obteve e que o fez ficar a milhas de eleger um deputado europeu para o Grupo Europeu dos Verdes.

De resto, até acho interessante que, à esquerda, apareçam forças que venham a permitir ao PS formar maiorias, como à direita o PSD faz com o CDS.

Fica a esperança de que o LIVRE se fortaleça e que deixe de se preocupar com a liderança do PS. Fica também a esperança de que o LIVRE seja um Partido independente onde as pessoas não se agrupem para tentar influenciar as escolhas que competem aos militantes (e agora aos simpatizantes, diz-se) do PS e se faça forte suficiente para ser capaz de melhorar a qualidade da esquerda portuguesa.
LNT
[0.212/2014]

O barbeiro [ IV ]

O BarbeiroCom as navalhas afiadas e os pincéis de molho, o barbeiro voltou à cadeira dos clientes que rareavam sem qualquer vontade de ler ou ouvir notícias, porque as notícias que passavam pouco lhe interessavam.

Continuava na dele: - que se deu ao trabalho de sair de casa para ir votar num Partido na esperança de que ele fizesse o que lhe competia e, à noite quando se preparava para comemorar a vitória para que tinha contribuído, levou uma bofetada de mão cheia quando ficou a saber, pelos ilustres desse partido, que o seu voto tinha sido uma porcaria insuficiente, de Pirro, e que o PS em vez de fazer aquilo que ele esperava se tinha envolvido numa guerra de protagonismo com o pretexto de que assim iria dar mais valor ao único voto de que ele dispunha.

Nestes pensamentos, frustrado, pegou na folha de caixa e confirmou o descalabro que adivinhava. O IVA a subir para a ruína, o sabão da barba ao preço do perfume francês e a miséria que lhe rondava a porta do lá vem um.
LNT
[0.211/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

Barbering Books [ V ]

Barbering BooksDescobri que há algumas coisas semelhantes entre a forma como os meninos crescem actualmente e o modo com se trata a fruta. Eu explico-me.

A fruta nasce, muito bem agarradinha à árvore. Quase sempre se acoita, algures num cantinho cómodo do tronco, sob a protecção de uma folha que é forte e larga, para se proteger de todos os perigos que possam acontecer.

Dantes, por lá ficava e demorava pelo menos o tempo de duas estações, para crescer e amadurecer bem. Havia um tempo grande de esperar para poder saborear.

Agora, mal a fruta cresce um pouco, vêm os produtores e arrancam-na à força. Encaixotam os pêssegos todos em fila, uns contra os outros, e lá seguem para o armazém, que é uma câmara frigorífica.

Só que a fruta ainda está verde.

Depois as donas de casa vão às compras. Olham para os pêssegos, dizem ter um aspecto lindo. Compram. Passados dois ou três dias estão «tocados». Levaram só uns toques e estragaram-se. Quer dizer, não tinham amadurecido o suficiente para sair da árvore mãe tão cedo e aguentarem-se bem.

E assim andamos todos a reclamar que a fruta além de não ter gosto, não se aguenta. Estraga-se num instante.
Daniel Sampaio
INventem-se novos pais

LNT
[0.210/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXVII ]

Pezinhos de coentrada
Pezinhos de porco de coentrada - Por aí - Portugal
LNT
[0.209/2014]

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Mira técnica

Mira técnicaClarinho como água é que aquilo que aqui me tem feito andar a escrever nos últimos tempos resulta da minha condição de militante do Partido Socialista e do correspondente dever de defesa dos órgãos directivos do Partido a que tenho a honra de pertencer desde o tempo em que os animais falavam.

Não é de hoje. Já o fiz anteriormente quando denegriram internamente Ferro Rodrigues para que, quando ele cedeu, se apresentassem como santos salvadores e já o tinha feito noutras vezes em que foi necessário, o que agora pouco importa para o texto.

O que importa é anotar que o Secretário-geral do meu Partido está em funções sufragadas partidariamente e confirmadas pelo nacional e que a sua liderança institucional e política não está em causa. O que importa é perceber que o fogo “amigo” a que está a ser sujeito é o mostrar da cara (ainda não a mostram às claras porque continuam escudados num testa de ferro) dos “amigos” que, apesar de terem conduzido o Partido Socialista a uma das suas maiores derrotas e feito com que a direita portuguesa conduzisse os destinos de Portugal nos últimos anos com uma maioria absoluta que não pára de destruir a qualidade de vida dos portugueses, se mantém em lugares chave do PS e em parte importante do seu Grupo Parlamentar.

O actual Secretário-geral contou no primeiro mandato, e agora nesta metade do segundo, com a dificuldade acrescida de ser líder do maior Partido da oposição sob fogo intenso adversário que nunca deixou de evocar as razões que levaram os portugueses a desferir-lhe uma derrota colossal (e esse fogo inimigo tem sido sempre feito de forma cruzada pelos detentores do actual poder e pelos extremos de esquerda) e ainda teve de aguentar todas as manobras de denegrimento interno que ao longo do tempo foram patentes e que agora assumiram proporções vergonhosas.

Foi obra, obra especial porque, mesmo apesar de muitos dos que agora aparecem imaculados terem andado a formar partidos nas últimas eleições que desviaram votos do PS, conseguiu sair à rua e voltar a recolher o apoio dos portugueses que lhe deram nas últimas eleições uma vitória sobre toda a direita unida e a milhas de distância do único Partido de extrema-esquerda que ainda tem alguma relevância no panorama político português.

E foi isto que aqui quis, hoje, deixar lavrado, clarinho como água.
LNT
[0.208/2014]

Barbering Books [ IV ]

Barbering BooksElias procura uma pedra. Ainda ela vai no ar e já se ouvem ganidos com toda a matilha a desarvorar por esse cemitério abaixo, caim-caim, pernas para que vos quero. Elias volta-se para o Diário de Notícias.

Que está cada vez mais mula-de-enterro, o Diário de Notícias. Cada vez mais correio dos mortos. Já não é só a página das cruzes, missas do sétimo dia, Agência Magno e etecetera, é a VELADA AO SOLDADO DESCONHECIDO, Mosteiro da Batalha, é a REVOLTA NA ÍNDIA, Naufrágio de Goa, eterna saudade, é o PRESIDENTE THOMAZ, outro morto. Cemitério impresso, pura e simplesmente cemitério impresso tudo aquilo. E o Thomaz em foto a duas colunas parece um pénis decrépito fardado de almirante.
José Cardoso Pires
Balada da praia dos cães

LNT
[0.207/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXVI ]

Mão de vaca com grão
Mãozinha de vaca com grão - Por aí - Portugal
LNT
[0.206/2014]

terça-feira, 3 de junho de 2014

E por falar em motins

Bandeira PSA coisa complica-se, não poderia deixar de se complicar, porque há sempre quem confunda democracia com anarquia e disputa com motim.

Costa deveria açaimar os mastins que soltou para não lamentar, um dia destes, vir a ser confundido com eles. Uma coisa é mostrar-se disponível para ocupar um lugar que renegou enquanto não lhe merecia garantias de acesso ao poder. Outra coisa é funcionar como motor de uma rebelião contra o poder instituído democraticamente e rodear-se de um bando de sublevados apostados em denegrir o Secretário-geral do Partido a que pertencem.

Os nossos camaradas de Partido e muito especialmente os que por nós estão eleitos para nos representarem nacionalmente ou no poder autárquico bem podem apagar os posts da asneira e suspender o próprio blog, que o mal está (volta a estar) feito e desta vez ultrapassou todos os limites do aceitável.
LNT
[0.205/2014]

O barbeiro [ III ]

O BarbeiroDespachado o Sô Tor e varridas as farripas que ficaram no chão, o barbeiro regressou ao jornal para ler as novas que faltavam ler e saber o que lhe andavam a preparar enquanto aqueles a quem entregara a vida com a procuração que deixara há menos de quinze dias na urna da Junta de freguesia, se faziam ao bocado.

Sem grande espanto, porque já perdera a capacidade de se espantar desde o tempo em que se iniciou a construção da terceira autoestrada paralela para o Porto, apercebeu-se que os cobardolas se escondiam outra vez atrás da mentira para procederam ao objectivo único de retirar o poder de compra, empobrecendo, para que as importações baixassem e se impulsionassem as exportações do que resta do sector produtivo.

Primeiro tinham metido as culpas de um programa para além na troika, na troika. Agora, quando o tontinho do Caldas desligou um relógio que nunca funcionou, remetem as culpas para um tribunal que tem por função verificar se a Lei Constitucional não está a ser violada, fazendo crer que a sentença manda sacar quando o que ela determina é que se reduzam as alarvices gulosas e gordurosas e os Conselhos de Administração que só existem para premiar favores.

-Toda esta inteligência é muito pouco, muito poucochinho, pouquinho, pirrinha. – pensa o Sr. Luis.

E de novo, para tentar fugir à frustração liga a TV e entra-lhe pelo ecrã dentro o edil numa entrevista em que, de tão transparente e tranquila, só o mostra a ele próprio, na primeira pessoa do singular.

Carrega no botão de standby. É tempo de afiar as navalhas.
LNT
[0.204/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

Barbering Books [ III ]

Barbering BooksSe houvesse um amor abandonado à sorte dele, só Deus sabe a companhia que me faria, se eu deixasse. Quantas vezes, ao certo, cheguei eu a perder-te, para as mesmas vezes, vezes dez, enlouquecer de tanto te chamar? Tu dirás.

São cinco da tarde. Saí da tua casa. Olha a rua cheia de tempo para gastar. Pára ao pé da minha porta. Pergunta por mim. Diz o meu nome. Deixa-me ouvir.

Que coisa não se encontra aqui? Se nós quisermos? Que coisa será?

Alguém para abrir a porta. Atrás dos dias. Vestida de preto e branco. Um cheiro de carne. Um sobretudo para despir. O som de um primeiro andar. Madeira encerada. Uma carta. Um corredor com fim.

Se eu pudesse. Já.
Miguel Esteves Cardoso
O amor é fodido

LNT
[0.203/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXV ]

Bacalhau com batatas
Bacalhau com batatas - Por aí - Portugal
LNT
[0.202/2014]

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Juan Carlos de Espanha

Juan Carlos, Tito Morais, LNTComo pode um republicano saudar o monarca do País vizinho no dia do anúncio do fim do seu reinado?

Fácil, muito fácil.

Agradecendo-lhe a amizade que sempre teve por nós. Agradecendo-lhe a gratidão (coisa rara nos tempos que correm) que sempre nos dedicou por termos dado guarida à sua família quando teve de se exilar do despotismo que usurpou o seu País. Agradecendo-lhe que sempre tivesse proferido uma palavra em português, furando o protocolo oficial, quando uma delegação portuguesa se deslocava a La Zarzuela.

Juan Carlos de Espanha é um amigo de Portugal, um democrata e uma pessoa de bem com quem tive a honra de contactar em privado numa visita oficial em que acompanhava Tito de Morais.

Longa vida é o que lhe desejo.
LNT
[0.201/2014]

O barbeiro [ II ]

O BarbeiroEstava o barbeiro embrenhado nestes pensamentos do: "lá andam estes gajos a tratar da vidinha em vez de tratarem da nossa vida que foi para isso que os elegemos" quando entrou o Sô Tor.

Sô Tor era um personagem do bairro a quem ninguém conhecia o nome. O Sr. Luís sempre tinha achado estranho aquela designação porque o homem não era médico e, se fosse assim chamado por ser licenciado, ainda mais estranho lhe parecia uma vez que toda a canalhada do bairro também o era (a maior parte até tinha tirado um mestrado para depois aprender um ofício como era o caso do Zé taxista que andava agora com o turno da noite do pai por não ter singrado no seu mister) e todos os tratavam pelo primeiro nome.

Sô Tor era um homem bem apessoado que ninguém sabia o que fazia a não ser que passava a vida a viajar para os Camões, Camarões, Caimões ou lá o que era, e que se gabava de não pagar impostos embora nunca perdesse uma oportunidade para chamar de chulos todos os outros moradores da zona que eram professores, médicos, informáticos, advogados e engenheiros desde que trabalhassem no Estado.

- Bom dia, Sô Tor, faça a fineza de se sentar e dizer-me ao que vem hoje.

- É para um caldinho, Sr. Luís, um caldinho bem dado e vá preparando a facturinha com o número de contribuinte para ver se eu ganho um Audi e fico como aquele senhor que andava de Vespa até que sentou o rabinho no poder para se encher com o que descontamos.

- Mas o Sô Tor diz que não paga impostos!

- E não pago! Mais faltava andar a encher os bolsos desta gentalha.
LNT
[0.200/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

Barbering Books [ II ]

Barbering BooksEssa mera encenação pode acontecer numa cena de teatro onde se represente um casamento. No filme, de Manoel de Oliveira, “O Princípio da Incerteza” (2002), há uma cena de casamento. Um casamento católico. Naturalmente, na cena há um actor que representa o papel de um padre, o oficiante nessa cerimónia, e outros que representam os noivos, e outros ainda a assistência. Ninguém fica mais ou menos casado por ter participado como actor nessa cena. Contudo, um dos actores que representam essa cena é um padre. Mais precisamente, quem faz de padre nessa cena é realmente um padre, na vida real, fora do filme. Essa pessoa, que aí faz de padre, poderia casar aquelas pessoas noutras circunstâncias – mas do que se representa num filme não decorrem consequências desse tipo. Tudo o que se passou no filme é diferente de um verdadeiro casamento. A diferença não está em nenhum dos movimentos, em nenhuma das palavras, nem sequer nos poderes das pessoas envolvidas. A diferença está na preparação do mundo institucional que enquadra aquela acção. Daquele conjunto de pessoas no filme não se podia dizer que contassem com os mesmos aspectos externos que contavam os que participavam no casamento de Pedro e Maria. A diferença é o contexto institucional. A diferença é institucional.
Porfírio Silva
Podemos matar um sinal de trânsito?

LNT
[0.199/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXIV ]

Caracóis
Caracóis - Por aí - Portugal
LNT
[0.198/2014]

domingo, 1 de junho de 2014

O barbeiro [ I ]

O BarbeiroCom a casa vazia, o barbeiro sentado na cadeira dos clientes revia o tempo em que não tinha mãos a medir. Os dois empregados foram embora há muito e as manicuras tiveram de seguir outro caminho, umas por aí e outras nas Franças e Alemanhas a fazer pela vida.

Bom dia, Sr. Luís, iam mandando com um aceno à porta, os velhotes de barba crescida que deixaram de poder aparar.

Olá, Sr. Luís, apregoavam os desgrenhados que deixaram de cortar a trunfa desde que foram obrigados a inscrever-se no centro de emprego.

A esperança do barbeiro, aflito com a escassez de clientela e com o aperto do IVA que não podia repercutir nos preços dos poucos que ainda entravam, residia na notícia que lia no jornal. - Os gajos foram derrotados, pode ser que isto mude. É só mais um jeitinho, um esforço, uma pressão.

Animado, liga a televisão para ouvir a retractação dos derrotados e, sem perceber nada, vê desfilar um rosário de caras novas dos velhos de sempre a recitar coisas que nada lhe dizem e pensa para os seus botões:

- Lá estão eles de novo a tratar da vidinha. Estou lixado! Cada vez mais lixado!
LNT
[0.197/2014]
Imagem: http://www.gutenberg.org/

Barbering Books [ I ]

Barbering BooksA dureza volta-se contra nós. É o preço que se paga pela distância que interpomos entre nós e os outros. É uma factura necessária pois de outra forma teríamos de viver encostados. Custa a desenvolver, aprende-se a aperfeiçoar.

Quando nos tornamos expertos na arte, a vida corre mais solta. A dependência das pequenas coisas é obrigatória, suporta-se como a chuva miúda. Mas com vantagem couraçamos a fraqueza: é óptimo se vens, aguardo-te enquanto não chegas. Entretanto bebe-se um aperitivo.
Filipe Nunes Vicente
Amor e Ódio

LNT
[0.196/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXIII ]

Berbigões
Berbigões - Por aí - Portugal
LNT
[0.195/2014]

sábado, 31 de maio de 2014

O que faz falta

VotarTambém eu que não apoiei a proposta de Assis, na altura em que foi necessário pegar nos destroços do PS esmagado pela maioria absoluta da coligação no poder, entendo que, perante os sinais dados pelos cidadãos que se abstiveram, votaram branco ou anularam os seus votos nas Europeias, é necessário equacionar formas de melhorar a qualidade da democracia representativa em Portugal com soluções mais participativas.

Vai ser um trabalho hercúleo porque exigirá muita imaginação e esforço.

É este o essencial que os cidadãos esperam porque já se aperceberam que a seu alheamento da política não está dependente de aparições salvíficas e milagreiras.

Como é evidente, sempre que um incidente é criado, há que encontrar uma solução urgente que evite a sua transformação em problema. No caso do Partido Socialista, o incidente milagreiro está criado e há que resolvê-lo com celeridade para o mitigar e voltar às questões sérias relacionadas com o estado da democracia e, principalmente, com o bem-estar dos portugueses.

Espero que, até ao fim da Comissão Nacional de hoje, seja também aberto o caminho para encerrar celeremente a questão que está a inviabilizar a concentração da atenção política naquilo que diz respeito aos cidadãos.
LNT
[0.194/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXII ]

Rissol
Rissol - Por aí - Portugal
LNT
[0.193/2014]

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Ontem deu-me para a milícia, hoje viro-me para o divino

Pé FranciscanoPortugal sempre foi dado ao divino.

Tirando o fundador, não o Pai Fundador, porque desse pouco comento, o Afonso Henriques, o que cascou na Mãe e por isso era pouco dado a morais e religiões, todos os que por aí andaram (sejamos justos e façamos também a excepção aos que se refugiaram nas Choças da Carbonária) acreditaram e fizeram acreditar que aquilo que não se explicava era conseguido por inspiração divina.

Umas vezes fizeram a aplicação prática dessa inspiração pelo Santo Ofício, outras pelas revelações do Sol rodopiante que proclamavam a conversão da Rússia (comunista).

Faltava-nos agora a aparição salvadora, redentora e milagreira do Santo a quem não bastou a consagração da Capital do Império.

Oremos!
LNT
[0.192/2014]

Oratórias

MagritteMais uma oratória, desta vez a de António Vieira e do seu sermão aos peixes
(os Antónios multiplicam-se, Santo Deus):

Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo.
Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar.
Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os Brancos.
Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego?
Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se hão-de comer.
Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos e os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador que lhe tirou o sangue; come-a a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para a mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra.
LNT
[0.191/2014]

Dá-me o teu bracinho, vem bailar comigo

Santo AntónioCá vai a marcha, mais o meu par
Se eu não o trouxesse, quem o havia de aturar?
Não digas sim, não me digas não
Negócios de amor são sempre o que são
Já não há praça dos bailaricos
Tronos de luxo num altar de manjericos
Mas sem a praça que foi da Figueira
A gente cá vai quer queira ou não queira

Ó noite de Santo António
Ó Lisboa de encantar
De alcachofras a florir
De foguetes a estoirar
Enquanto os bairros cantarem
Enquanto houver arraiais
Enquanto houver Santo António
Lisboa não morre mais

Lisboa é sempre namoradeira
Tantos derriços que já até fazem fileira
Não digas sim, não me digas não
Amar é destino, cantar é condão
Uma cantiga, uma aguarela
Um cravo aberto debruçado da janela
Lisboa linda do meu bairro antigo
Dá-me o teu bracinho
Vem bailar comigo

Reportório de Amália Rodrigues
Música de Raul Ferrão e Norberto Araújo
Cerâmica de Teresa Rezende
Ouvir aqui: www.youtube.com/watch?v=XK3kXrEZcow
LNT
[0.190/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDXI ]

Pastel de Bacalhau
Spencer Tunick - Melbourne
LNT
[0.189/2014]

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Contra os canhões, marchar, marchar

MagritteDetesto personalismo e abomino o seguidismo.

Prefiro guiar-me por princípios de lealdade e pela honra. Coisas fora de moda, sei, mas coisas minhas. É inaceitável que alguém venha dizer: - Estou aqui - sem dizer ao que vem e para o que ali está.

Que ele estava ali já se sabia. Que ele já se fez invisível na altura em que foi necessário suceder no PS quando o Partido tinha acabado de ser esmagado por uma maioria absoluta da direita, que ele já avançou para recuar quando ainda havia dúvidas sobre se a direita já estava derrotada, fez, mas nunca deixou de se ver que ele ali estava.

Tinha agora obrigação de se apresentar às tropas dizendo quais são as armas de que dispõe e qual a estratégia a usar no combate a que se dispôs.

Não o fez. É pena e mais pena é constatar que está a formar um exército regular protegido por um pelotão de snippers refractários, desertores e mercenários.

Onde andavam essas tropas especiais quando foi necessário eleger deputados europeus para fortalecer, com uma equipa abrangente e diversificada de alto nível, o grupo do Partido Europeu Socialista e combater a direita que nos comanda a partir de Bruxelas?

Alguns, sabemos. Desfraldavam bandeiras ditas Livres que só serviram para enfraquecer o PES e outros entretiveram-se em faits-divers que ajudaram a deitar por Terra as pretensões de termos na Europa um grupo parlamentar capaz de defender as bandeiras sociais que os socialistas empunham em Portugal.
LNT
[0.188/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDX ]

Pastel de Bacalhau
Pastel de bacalhau - Por aí - Portugal
LNT
[0.187/2014]

quarta-feira, 28 de maio de 2014

O que tem de ser feito tem muita força

Partida/chegadaO triste espectáculo montado na sequência do sound byte lançado por Portas no seu discurso de derrota enche paragonas e distrai-nos do que os portugueses registaram no passado Domingo.

Em duas linhas, os eleitores que ainda se deram ao trabalho de dizer que acreditam neste regime mas que os Partidos do poder vão ter de fazer melhor se quiserem que neles continuem a acreditar, explicaram claro que estão fartos da coligação de direita embora ainda não tenham esquecido as razões que anteriormente os levaram a dar uma maioria absoluta ao poder instalado.

Portas, que é o sábio das sonoridades, lançou na noite em que sofreu uma das maiores derrotas da sua vida, uma farpa maquiavélica que pretendia desvalorizar a penalização que sofreu escondendo-a naquilo que designou por uma “perda menor” dado que o maior Partido da oposição não tinha capitalizado os votos que lhe escaparam.

Foi o suficiente para que políticos experientes do Partido Socialista se deixassem enrolar nas palavras de Portas e passassem a fazer eco do sound byte lançado. Foi suficiente para que, com base nisto, os vitoriosos vestissem os fatos de combate para fazer o jogo de “vitória menor” que Portas lançou.

Pouco interessa. O mal está feito.

O milhão e tal de eleitores do Partido Socialista olham para esta desfeita com incredibilidade.

Pensarão certamente que andaram a brincar com eles e com a honra das bandeiras que, nos dias anteriores à votação, desfraldaram junto de amigos e vizinhos no jogo democrático do convencimento de alternativas às malfeitorias feitas nos três últimos anos.

Mas agora, com o mal feito, a legítima direcção do Partido Socialista tem de reagir à contrariedade e reafirmar a seriedade com que se apresentou nos dois últimos Congressos Nacionais e o nosso Secretário-geral deverá confirmar, mais uma vez, que o seu único interesse é a defesa da melhoria da condição de vida dos portugueses.

Para o fazer tem de clarificar urgentemente a situação interna no Partido Socialista e evitar que o empastelamento criado pelo mal feito mine o que resta da credibilidade que os Partidos políticos ainda detêm em Portugal. Tem de ser rápido, tem de ser seguro, tem de ser clarificador.

Temos de seguir em frente. Há gente demais a viver mal demais para que se arrastem estes jogos de poder.
LNT
[0.186/2014]

Já fui feliz aqui [ MCDIX ]

Açorda de Bacalhau
Açorda de bacalhau - Amieira - Alentejo - Portugal
LNT
[0.185/2014]