segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Botão Barbearia[0.068/2008]
Conversa de barbeiros

No barbeiroPorta aberta, a freguesia lá ia passando a desfazer as barbas ou aparar cabelos. Antes da missa das dez, era obrigatória a rapagem dos queixos empedernidos da escassa lavagem e do pó entranhado na produção filiforme de uma semana de jornadas de sol-a-sol. A esta hora matinal, a conversa era pouca e o trabalho rápido. Falava-se do tempo, do calendário agrícola, do coice que o João tinha levado da égua e o mandara para o hospital com três costelas partidas, enquanto a navalha ia desfazendo o matagal desenvolvido nas fronhas dos fregueses. Cara limpa, uma mão concha de aguardente provia à desinfecção e perfume das peles e, toca a andar para a santa missinha.

PenteadoOra, ora. A isto chamam trabalho fino de tosquia e escanhoo de barbas grossas?

Uma data de rudes a rapar queixadas de banco corrido às costas.

Neste quase SPA não há desses tormentos e as clientes e os clientes, porque isto além de selecto é unisexo, estão no patamar dos serviços à medida. As coisas que aqui se passam são mais de Inferno do que de Paraíso e ninguém cá vem a caminho da santa missa.

PenteadoNão cheira a aguardente e há muito que as navalhas rombas foram inovadas com tecnologias laser. A nossa prezada clientela é urbana, não conhece os vizinhos e só coscuvilha a vida dos ilustres, que também não conhece, mas de quem se faz íntima.

Dizem eles na Aldeia que aguardam o TGV para que os citadinos se desloquem até aos rústicos Cus de Judas.

Bem podem esperar sentados no mocho a ganhar calo e a verem passar os TGV que os não servirão porque se destinam a atravessar, ainda mais rápido, estes locais recônditos onde o João, se hoje levar um coice, terá de fazer 50 km para costurar as mazelas.
LNT
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2 comentários:

AC disse...

O estimado colega queira desculpar mas, para os saudáveis hábitos de um aldeão, habituado a sentar-se numa velha cadeira com provas dadas de robusta solidez e no cómodo de uma almofadinha de junco entrelaçado, de sair do estabelecimento com o rosto devidamente escanhoado e os pequenos golpes cobertos com pedacinhos de macio papel higiénico, o cachaço amaciado com antigo e fiável pó-de-talco.., enfim.., esse seu estabelecimento, esse seu pessoal, o colega desculpe, mas a coisa parece um bocado abichanada. O colega tem a certeza de que a clientela é de confiança?

Cpts.

Luís Novaes Tito disse...

A clientela é do melhor, está assegurado. Por aqui pouco interessa o que comem, se gostam de carne ou de peixe, deixando para ele(a)s os gostos que, como se sabe, não se discutem.

Saem todos perfumados, cheirosos e de pele macia, que isto é para peles fofas e de bom tom. Nada de cortes, nem papelinhos e menos ainda de talco porque não se trata a clientela como se fosse o rabinho de um bébé.

Já estranho é o camarada barbeiro me tratar por colega. Vê-se logo que não andou na Força Aérea (como este barbeiro que andou atrás das asas na Ilha da Morte Lenta, vulgo São Jacinto) senão saberia quem são as colegas...